Depois
brotará o vazio no pasto da solidão, e ela perguntará antes de
dormir para seu confidente, o travesseiro: “Não é melhor ser
menos exigente? Quem vai cuidar de mim quando ficar velhinha?” Até
lá, vamos curtir, baby …
Ela
jamais diria que a solteira é aquela que perdeu a ocasião de tornar
um homem infeliz. Acreditava nas relações. Apostava no amor. Sua
solteirice? Temporária, posta em xeque.
Queria
apenas curar a ressaca da separação recente. Farreando, por que
não? Queria por um período aliar a independência financeira com a
afetiva. Queria se divertir sem parar, ir ao cinema sozinha, viajar
com amigas e amigos, reclamar que todos os homens são tolos e
infantis, e que os caras mais lindos, gays.
Porém,
a fase festiva sofreu dois grandes baques:
1.
O ex-marido se juntou com uma garota que não precisava de sutiã,
luzes no cabelo, nem maquiagem, e andava enjoando em demasia; o peito
tinha aumentado, e a barriga, começado a ficar redonda. Aquele ex
que nunca quis ter filhos. Mudou de ideia ou foi forçado a?
2.
O anúncio de que a melhor amiga, de quem recebia convites para as
melhores festas, com quem saía todos os finais de semana e aprendeu
a ser adolescente depois de madura, viajava nos feriados prolongados,
desabafava sobre as loucuras do ex e as idiossincrasias das paqueras,
estava… namorando! Com um garoto interessante, cheio de amigos
interessantes que trabalhavam juntos num coletivo interessante e
faziam projetos de interesse social, tecnológico e além de tudo
sustentáveis.
Claro
que ela refez os planos, baixou a guarda, deixou a teimosia no
armário e flutuou pela correnteza da vida. Até enroscar numa curva
e ser seduzida por Pedro, que tocava pandeiro no grupinho de pagode
do coletivo, que se reunia no happy hour às sextas-feiras. E que fez
tudo certo: a esnobou até o limite, xavecou no momento preciso,
investiu com as armas apropriadas, disse o que precisava ser dito e,
enfim, a beijou exatamente quando a brecha apareceu depois de
gentilmente trazer a quinta latinha.
Pedro
foi um mestre. Conquistou o grande troféu, a solteira mais cobiçada.
Recebeu reconhecimento dos amigos e adversários. Mas o convívio…
Sempre ele a denunciar nossas incongruências.
Pedro
é daqueles que atendem celular no elevador. Viciados em UFC. OK, é
um segmento forte do mercado. Que buzinam para os carros da frente
assim que abre o farol. Tudo bem, ela se dizia, nem tudo é perfeito.
Que param em vagas de idosos no shopping e ainda contam vantagem:
“Dentro de estabelecimentos comerciais não podem multar.”
Um
dia ele implicou com a unha vermelha dela. “Não é coisa de
empregada?”, disse ao entrar no carro quando ela foi pegá-lo,
desviando do caminho, num dia de congestionamento recorde, sem ao
menos passar na sua casa, para não atrasarem para o sambão do
coletivo, para o qual trocou o almoço pela manicure.
Calma,
garota, não seja exigente. Sou suficientemente lúcida para admitir
que não existe o par perfeito, ilusão, escapismo utópico inventado
pelos românticos, e que exigir de alguém o mesmo comportamento
social é um exercício de fraqueza narcisista de pessoas
problemáticas que só conseguem se relacionar com o espelho.
Sustos
apareceram no primeiro jogo de futebol pela TV que viram juntos. Ela
não era fanática. Nem o ex. Gostava, assistia, e que ganhasse o
melhor.
Já
Pedro… O time dele disputava cabeça com cabeça a liderança do
campeonato com o de maior rivalidade. Xingava o juiz e os
bandeirinhas sem economia. O fato de uma bandeirinha ser mulher
incrementava os impropérios: “Vaca, piranha! Vai pra cozinha,
filha da mãe!” Ela achava engraçado porque quando a decisão do
outro bandeirinha, homem, era colocada em dúvida, sua
heterossexualidade também.
Quando
o zagueiro do próprio time deu uma furada, expressões de
preconceito social foram proferidas sem nenhum sentimento de culpa:
“Burro! Imbecil! Se pensasse direito não seria jogador de
futebol!”
Quando
o time fez um gol, a gritaria foi suficiente para matar de vez todos
aqueles com problemas cardíacos na vizinhança. No apito final,
palavras de carinho e solidariedade foram proferidas quando ele abriu
a janela e começou a gritar: “Chupa, desgraçados, filhos da pu%$!
Toma, seus via#$s do car%&*$!” O tempo que ele ficou se
comunicando aos berros com outros vizinhos aliados e adversários foi
suficiente para esvaziar o estádio.
Então,
como se diz no jargão do esporte bretão, o que era promessa virou
dúvida. Mas antes de um julgamento sem direito a defesa, ela ouviu
do travesseiro: “Egocêntrica, não consegue conviver com ninguém,
perdoar, aceitar as diferenças, passará o resto dos dias sozinha! O
problema está em você! Perdeu a prática, menina. Vamos. Vai dar
certo.”
Ficou
surpresa quando numa manhã viu na rede social que ele mudara o
status para “um relacionamento sério”. Surpresa,
lisonjeada e receosa. Pedro jogava publicamente um estatuto de
responsabilidades. Já está na hora de alterarmos o status?
À
tarde, o pânico tomou conta. Ele mudou a foto do perfil. Não era
mais aquela em que beijava o escudo do time, mas uma foto dos dois,
isso mesmo, dele com ela, abraçados no sambão, olhando para a
lente, cada um segurando uma latinha, foto de que ela nem se
lembrava, em que, por sinal, ela estava péssima, de retinas
vermelhas e com a testa enrugada. Parecia uma tia e seu afilhado.
Antes
mesmo de ela sugerir que aquela foto não era apropriada, recebeu uma
mensagem com outra foto deles abraçados anexada, em que ela estava
pior, com a sugestão: “Se quiser usar no seu avatar.”
Foi
o fim. Celular no elevador, impropérios futebolísticos, comentários
desrespeitosos que exaltam a luta de classes, parar em vaga de idosos
e implicar com esmalte vermelho… Mas foto de casalzinho no perfil
individual de rede social? Aí é too much.
Sua
resposta foi um calculado: “Pedro, precisamos conversar.”
Marcelo
Rubens Paiva,
in As verdades que
elas não dizem
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