terça-feira, 30 de maio de 2017

Filósofos: estranhos, engraçados e loucos

Deveria cortar minhas unhas dos pés. Meus pés estão me machucando há umas duas semanas. Sei que são as unhas dos pés, mas não consigo achar tempo para cortá-las. Estou sempre atrasado, não tenho tempo para nada. Claro, se eu pudesse ficar longe do hipódromo teria tempo de sobra. Mas toda a minha vida tem sido uma questão de lutar por uma simples hora para fazer o que eu quero fazer. Tem sempre alguma coisa atrapalhando a minha chegada a mim mesmo.
Devo fazer um esforço gigante para cortar minhas unhas dos pés hoje à noite. Sim, eu sei que tem pessoas morrendo de câncer, que tem pessoas dormindo nas ruas, em caixas de papelão, e fico falando em cortar minhas unhas. Ainda assim, provavelmente estou mais perto da realidade do que um panaca que assiste a 162 jogos de baseball por ano. Estive em meu inferno, estou no meu inferno, não me acho superior. O fato de estar vivo e com 71 anos e falando sem parar sobre minhas unhas dos pés é milagre suficiente pra mim.
Tenho lido os filósofos. São uns caras realmente estranhos, engraçados e loucos. Jogadores. Descartes veio e disse: é pura bobagem o que esses caras estão falando. Disse que a matemática era o modelo da verdade absoluta e óbvia. Mecanismo. Então, Hume veio com seu ataque à validade do conhecimento científico causal. E depois veio Kierkegaard: “Enfio meu dedo na existência – não tem cheiro de nada. Onde estou?”. E depois veio Sartre, que sustentava que a existência é absurda. Adoro esses caras. Embalam o mundo. Será que tinham dor de cabeça por pensar dessa forma? Será que uma torrente de escuridão rugia entre seus dentes? Quando você pega homens como esses e os compara aos homens que vejo caminhando nas ruas ou comendo em cafés ou aparecendo na tela da tv, a diferença é tão grande que alguma coisa se contorce dentro de mim, me chutando as tripas.
Provavelmente, não vou fazer as unhas dos pés esta noite. Não estou louco, mas também não estou são. Não, talvez eu esteja louco. De qualquer forma, hoje, quando a luz do dia aparecer e quando forem duas da tarde, acontecerá o primeiro páreo do último dia de corridas em Del Mar. Joguei todos os dias, em todos os páreos. Vou dormir agora, minhas unhas como lâminas rasgando os lençóis novos. Boa noite.
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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