Deveria
cortar minhas unhas dos pés. Meus pés estão me machucando há umas
duas semanas. Sei que são as unhas dos pés, mas não consigo achar
tempo para cortá-las. Estou sempre atrasado, não tenho tempo para
nada. Claro, se eu pudesse ficar longe do hipódromo teria tempo de
sobra. Mas toda a minha vida tem sido uma questão de lutar por uma
simples hora para fazer o que eu quero fazer. Tem sempre alguma coisa
atrapalhando a minha chegada a mim mesmo.
Devo
fazer um esforço gigante para cortar minhas unhas dos pés hoje à
noite. Sim, eu sei que tem pessoas morrendo de câncer, que tem
pessoas dormindo nas ruas, em caixas de papelão, e fico falando em
cortar minhas unhas. Ainda assim, provavelmente estou mais perto da
realidade do que um panaca que assiste a 162 jogos de baseball por
ano. Estive em meu inferno, estou no meu inferno, não me acho
superior. O fato de estar vivo e com 71 anos e falando sem parar
sobre minhas unhas dos pés é milagre suficiente pra mim.
Tenho
lido os filósofos. São uns caras realmente estranhos, engraçados e
loucos. Jogadores. Descartes veio e disse: é pura bobagem o que
esses caras estão falando. Disse que a matemática era o modelo da
verdade absoluta e óbvia. Mecanismo. Então, Hume veio com
seu ataque à validade do conhecimento científico causal. E depois
veio Kierkegaard: “Enfio meu dedo na existência – não tem
cheiro de nada. Onde estou?”. E depois veio Sartre, que sustentava
que a existência é absurda. Adoro esses caras. Embalam o mundo.
Será que tinham dor de cabeça por pensar dessa forma? Será que uma
torrente de escuridão rugia entre seus dentes? Quando você pega
homens como esses e os compara aos homens que vejo caminhando nas
ruas ou comendo em cafés ou aparecendo na tela da tv, a diferença é
tão grande que alguma coisa se contorce dentro de mim, me chutando
as tripas.
Provavelmente,
não vou fazer as unhas dos pés esta noite. Não estou louco, mas
também não estou são. Não, talvez eu esteja louco. De qualquer
forma, hoje, quando a luz do dia aparecer e quando forem duas da
tarde, acontecerá o primeiro páreo do último dia de corridas em
Del Mar. Joguei todos os dias, em todos os páreos. Vou dormir agora,
minhas unhas como lâminas rasgando os lençóis novos. Boa noite.
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio
Nenhum comentário:
Postar um comentário