segunda-feira, 1 de maio de 2017

Ética e trapaça

O sociólogo Peter Berger escreveu um livrinho divertido e inteligente que eu gostava de ler com meus alunos quando era professor da Unicamp: Introdução à sociologia. Um dos seus capítulos tem um título esquisito: “Como trapacear e se manter ético ao mesmo tempo”. Disse “esquisito” porque é conhecimento comum que “trapaça” e “ética” não fazem acordos. Mas o momento atual da política brasileira está demonstrando que esse não é o caso. Ao contrário, que é de suma importância juntar ética e trapaça quando as coisas relativas ao dinheiro e ao poder estão em jogo. Para esclarecer esse assunto enigmático, vou contar uma pequena estória: Havia numa cidade dos Estados Unidos uma igreja batista. Os batistas, como se sabe, são um ramo do cristianismo muito rigoroso nos seus princípios éticos. Havia na mesma cidade uma fábrica de cerveja que, para a igreja batista, era a vanguarda de Satanás. O pastor, representante de Deus, não poupava a fábrica de cerveja nas suas pregações. Aconteceu, entretanto, que, por razões pouco esclarecidas, a fábrica de cerveja fez uma doação de 500.000 dólares para a igreja batista. Os membros da igreja foram unânimes em denunciar aquela quantia como dinheiro do Diabo que não poderia ser aceito. Passada a exaltação dos primeiros dias, acalmados os ânimos, os mais ponderados começaram a analisar os benefícios que aquele dinheiro poderia trazer. Uma pintura nova para a igreja, um órgão de tubos, jardins mais bonitos, um salão social para festas. Reuniram-se então os membros da igreja em assembleia e depois de muita discussão registrou-se a seguinte decisão no livro de atas: “A Igreja Batista Betel resolve aceitar a oferta de 500.000 dólares feita pela cervejaria na firme convicção de que o Diabo ficará furioso quando souber que o seu dinheiro vai ser usado para a glória de Deus”. Quando a ideologia é nobre qualquer meio é permissível. Se esse acordo entre “ética” e “trapaça” valeu para a igreja, por que não valerá para os partidos políticos?
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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