segunda-feira, 22 de maio de 2017

A moeda falsa

Ao nos afastarmos da tabacaria, meu amigo fez uma separação cuidadosa de suas moedas. No bolso esquerdo do colete, pôs pequenas peças de ouro; no direito, peças de prata; no bolso esquerdo da calça, um punhado de grandes soldos; e finalmente, no direito, uma peça de prata de dois francos, depois de examiná-la atentamente.
Singular e minuciosa repartição! — disse eu comigo.
Encontramos um pobre que nos estendeu o boné com a mão trêmula. Não conheço nada mais inquietador do que a muda eloquência desses olhos súplices, que encerram a um tempo, para o homem sensível que sabe lê-los, tanto humildade como censuras. Há alguma coisa que se aproxima dessa profundeza de sentimento complicado nos olhos lacrimosos dos cães quando apanham.
A oferenda do meu amigo foi muito mais considerável do que a minha. Por isso, disse-lhe eu: — Você tem razão: depois do prazer da comoção, não há outro maior do que o de causar uma surpresa.
Mas, foi a moeda falsa, — respondeu ele, tranquilamente, como para justificar-se de sua prodigalidade.
Então, no meu miserável cérebro, sempre preocupado em achar meio-dia às catorze horas (de que estafante faculdade a natureza me fez presente!), entrou subitamente a ideia de que semelhante conduta, da parte do meu amigo, só era desculpável pelo desejo de criar um acontecimento na vida daquele pobre diabo, ou talvez pelo desejo de conhecer as diversas consequências, funestas e outras, que uma moeda falsa pode suscitar na mão de um mendigo. Não poderia ela multiplicar-se em peças verdadeiras? não poderia também conduzi-lo à prisão? Um taberneiro, um padeiro, por exemplo, talvez mandasse prendê-lo como falsário ou como passador de dinheiro falsificado. Talvez, também, a peça falsa pudesse tornar-se, para um pobre pequeno especulador, o gérmen de uma riqueza de alguns dias. E assim minha fantasia seguia seu curso, emprestando asas ao espírito do meu amigo e tirando todas as deduções possíveis de todas as hipóteses possíveis.
Nisso, ele interrompeu bruscamente o meu sonho, retomando minhas próprias palavras: — Sim, você tem razão: não há prazer mais doce do que surpreender um homem dando-lhe mais do que ele espera.
Olhei-o fixamente e fiquei admirado de ver que os seus olhos brilhavam com incontestável candura. Vi então, claramente, que ele quisera fazer ao mesmo tempo a caridade e um bom negócio; ganhar quarenta soldos e o coração de Deus; conquistar o paraíso economicamente; enfim, conseguir gratuitamente o título de homem caridoso. Eu quase lhe perdoaria o desejo do criminoso prazer de que doravante o supunha capaz; acharia curioso, singular, que se divertisse em comprometer os pobres; nunca lhe perdoarei, porém, a inépcia do cálculo. Não há desculpa para o perverso, mas tem um certo mérito o que sabe o que é; e o mais irreparável dos vícios é praticar o mal por estupidez.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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