quarta-feira, 19 de abril de 2017

Um pé depois do outro

Há gente que gosta de escalar o Everest — uma paranoia como outra qualquer. Mas sou insuspeito para mandar contra, em vista da modéstia de minha própria mania. A qual consiste em descobrir ruazinhas desconhecidas. Como se vê uma mania bastante chão. Sérgio de Gouvêa e eu éramos peritos nisso. Descíamos num fim de linha e, quando nos sorria a perspectiva, enveredávamos por qualquer rua transversal. Nunca nos importou o nome da rua, porque estávamos fazendo descobrimentos e não turismo e, além disso, não constava de nossas intenções colonizar aquelas terras incógnitas nem mais lá voltar. Éramos uns Colombos completamente desinteressados. Naquele tempo as pessoas costumavam reparar umas nas outras e os aborígines nos fitavam com um olhar de quem indaga: “Quem serão esses?” Bem, saciados os olhos nas paisagens suburbanas, sucedia-nos às vezes também descobrir um bar, geralmente de esquina, onde saciávamos a sede. Só não saciávamos os assuntos, sobremaneira metafísicos — o que deve deixar espantados os pragmáticos de hoje.
Depois, vínhamos andando de volta pelo trajeto do bonde, até cansarmos, quando então tomávamos o dito e às vezes nos sucedia caminhar até o centro, nos dias de melhor forma. Por essas andanças domingueiras, nós nos julgávamos peripatéticos. Qual nada! Éramos apenas precursores do Método Cooper. Só tem que em câmara lenta.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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