sábado, 22 de abril de 2017

Um hemisfério numa cabeleira

Deixa-me respirar bastante, bastante, o aroma dos teus cabelos, mergulhar neles o meu rosto todo, como um homem sedento na água de uma fonte, e agitá-los com a mão, como um lenço perfumado, para sacudir recordações no espaço.
Se pudesses saber tudo o que vejo! Tudo o que sinto! Tudo o que entendo nos teus cabelos! Minha alma viaja no perfume como a alma dos outros homens na música.
Teus cabelos encerram todo um sonho, cheio de velas e de mastros. Encerram grandes mares cujos ventos me levam para climas encantadores, nos quais o espaço é mais azul e mais profundo, e a atmosfera perfumada pelos frutos, pelas folhas e pela pele humana.
No oceano de tua cabeleira, diviso um porto repleto de canções melancólicas, de homens vigorosos de todos os países e de navios de todas as formas desenhando arquiteturas finas e complicadas num céu imenso em que se espalha o calor eterno.
Nas carícias de tua cabeleira, torno a encontrar os langores das longas horas passadas sobre um divã, no camarote de um belo navio, embaladas pelo balouçar imperceptível do porto, entre jarras de flores e moringas refrescantes.
No fogão ardente de tua cabeleira, eu respiro o odor do fumo misturado com ópio e açúcar. Na noite de tua cabeleira, eu vejo resplandecer o infinito do azul tropical. Nas orlas aveludadas de tua cabeleira, eu me embriago com os perfumes combinados do alcatrão, do musgo e do óleo de coco.
Deixa-me morder bastante as tuas pesadas e negras tranças. Quando me ponho a mordiscar os teus cabelos elásticos e revoltos, tenho a impressão de que estou comendo recordações.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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