sábado, 29 de abril de 2017

O brinquedo do pobre

Quero dar uma ideia de um divertimento inocente. São tão poucas as diversões que não merecem uma censura! Quando saíres de manhã, com a firme intenção de vadiar pelas grandes estradas, enche os teus bolsos de pequenos inventos, como o polichinelo movido por um barbante, os ferreiros que batem na bigorna, o cavaleiro e o cavalo com rabo de assobio. Depois, pelos botequins, junto das árvores, presenteia as crianças desconhecidas e pobres que encontrares.
Elas arregalarão os olhos. A princípio, não ousarão pegar, duvidando da própria felicidade.
Mas, em seguida, segurarão vivamente o presente e fugirão como o gato que vai comer longe o que lhe deram, por ter aprendido a desconfiar dos homens.
Numa estrada, atrás da grade de um vasto jardim, no fundo do qual se destacava a brancura de um belo castelo batido pelo sol, estava um lindo e robusto menino, vestido com essa roupa de campo tão cheia de faceirice.
O luxo, a despreocupação e o espetáculo habitual da riqueza tornam essas crianças tão bonitas que parecem feitas de outra massa que não as crianças comuns ou da pobreza.
Ao lado dele, jogado na relva, via-se um boneco esplêndido, novo como o dono, envernizado, dourado, com um vestido de púrpura, coberto de plumas e miçangas. O menino, porém, não dava atenção ao seu brinquedo predileto, e eis o que olhava: Do outro lado da grade, na estrada, por entre os espinhos e as urtigas, estava outro menino, sujo, miserável, manchado de fuligem. Era um desses moleques em quem uma vista imparcial descobriria a beleza, se, assim como a vista de um entendido adivinha uma pintura ideal sob o verniz de um carro, fosse ele lavado da pátina repugnante da miséria.
Através aquela grade simbólica separando dois mundos, a grande estrada e o castelo, o menino pobre mostrava ao menino rico o seu brinquedo, que este último examinava avidamente, como um objeto raro e desconhecido. E o brinquedo que o sujo garoto atormentava, agitava e sacudia numa caixa engradada, era um rato vivo! Os pais, decerto por economia, tinham tirado o brinquedo da própria vida! E os dois meninos riam-se um para o outro, fraternalmente, com dentes de igual brancura.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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