domingo, 16 de abril de 2017

Convite para viagem

Há um lugar soberbo, um país de Cocanha, dizem, que eu sonho visitar com uma velha amiga. Província singular, mergulhada nas brumas do nosso Norte, e que se poderia chamar Oriente do Ocidente, China da Europa, de tal maneira a cálida e caprichosa fantasia encontra ali plena liberdade, ilustrando-a firme e pacientemente com suas sábias e delicadas vegetações.
Verdadeiro país de Cocanha, onde tudo é belo, rico, tranquilo, honesto; onde o luxo se compraz em mirar-se na ordem; onde a vida é farta e doce de se respirar; onde a desordem, a turbulência e o imprevisto não existem; onde a felicidade se casa ao silêncio; onde a própria cozinha é poética, farta e excitante ao mesmo tempo; onde tudo se parece contigo, anjo querido.
Conheces essa doença febril que se apodera de nós nas menores coisas, essa nostalgia do lugar que se ignora, essa angústia da curiosidade?É uma região parecida contigo, na qual tudo é belo, rico, tranquilo e honesto; na qual a fantasia construiu e decorou uma China ocidental; na qual a vida é doce de se respirar; na qual a felicidade se casa ao silêncio. É lá que se deve ir viver, é lá que se deve ir morrer! Sim, é lá que é preciso ir respirar, sonhar e alongar as horas pelo infinito das sensações. Um músico escreveu o Convite para a valsa; que músico comporá um Convite para a viagem, que se possa oferecer à mulher amada, à irmã predileta? Sim, é nessa atmosfera que seria bom viver, lá longe, onde as horas mais lentas contêm mais pensamentos, onde os relógios soam a felicidade com mais profunda e significativa solenidade.
Sobre painéis luzentes, ou sobre couros dourados e de uma riqueza sombria, vivem discretamente pinturas beatas, calmas e profundas, como as almas dos artistas que as criaram. O sol poente, colorindo luxuosamente a sala de jantar ou a de visitas, é coado por belos estofos ou pelas altas janelas trabalhadas que o prumo divide em numerosos compartimentos. Os móveis são vastos, curiosos, bizarros, armados de fechaduras e segredos, como almas requintadas. Os espelhos, os metais, as almofadas, as joias e os vasos oferecem ao olhar uma sinfonia muda e misteriosa. De todas as coisas, de todos os cantos, das frestas das gavetas e das pregas das almofadas, escapa um perfume singular, uma recordação de Sumatra, que é como a alma do apartamento.
Verdadeiro país de Cocanha, afirmo-te, onde tudo é rico, limpo e luzidio, como uma bela consciência, como uma magnífica bateria de cozinha, como uma joalheria multicor! Para lá afluem tesouros do mundo, como para a casa de um homem laborioso e que bem mereceu do mundo inteiro. Província singular, superior às outras, como a Arte à Natureza, onde esta é reformada pelo sonho, corrigida, embelezada, refundida.
Procurem, procurem ainda, recuem sem cessar os limites de sua felicidade, esses alquimistas da horticultura! Proponham prêmios de sessenta e de cem mil florins para quem resolver os problemas de sua ambição! Quanto a mim, já descobri minha tulipa negra e minha dália azul! Flor incomparável, tulipa recuperada, dália alegórica, não é lá, não é nessa província calma e sonhadora que se deve ir viver e prosperar? Não estarias enquadrada em tua analogia e não poderias mirar-te, para falar com os místicos, em tua própria correspondência? Sonhos! Sempre sonhos! E, quanto mais ambiciosa e delicada é a alma, mais os sonhos afastam-na do possível. Cada homem traz em si uma dose de ópio natural, incessantemente segregada e renovada. Do nascimento até a morte, quantas horas não contamos, cheias de gozo positivo, de ação resoluta e triunfante? Viveremos nós um dia, passaremos um dia nesse quadro pintado por meu espírito, nesse quadro parecido contigo? Esses tesouros, esses móveis, esse luxo, essa ordem, esses perfumes, essas flores miraculosas, tudo isso és tu. És tu ainda aqueles grandes rios e os canais tranquilos. Os enormes navios por eles carreados, abarrotados de riquezas, e de onde sobem as canções monótonas da maruja, são os meus pensamentos que dormem ou que rolam sobre o teu seio. Tu os conduzes docemente para o mar que é o Infinito, sempre refletindo as profundezas do céu na limpidez de tua bela alma. E quando, fatigados pela maré e fartos dos produtos do Oriente, tornarem a entrar no porto natal, serão ainda os meus pensamentos que do infinito regressarão a ti.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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