quinta-feira, 23 de março de 2017

Pensava em você

A água que gotejava das telhas fazia um buraco na areia do quintal. Soava: plás plás e depois outra vez plás, na metade de uma folha de louro que dava voltas e revoltas metida na fenda dos tijolos. A tormenta tinha ido embora. Agora, de vez em quando a brisa sacudia os ramos do pé de romã fazendo jorrar uma chuva espessa, estampando a terra com gotas brilhantes que logo se embaçavam. As galinhas, encolhidas como se dormissem, sacudiam de repente suas asas e saíam ao pátio, bicando depressa, agarrando minhocas desenterradas pela chuva. Quando as nuvens corriam, o sol arrancava luz das pedras, coloria tudo de um arco-íris de cores, bebia a água da terra, brincava com a brisa dando brilho às folhas com as quais a brisa brincava.
Que tanto você faz aí no banheiro, rapazinho?
Nada não, mãe.
Se você continuar aí vai aparecer uma cobra e vai picar você.
Está bem, mãe.
Pensava em você, Susana. Nas colinas verdes. Quando soltávamos pipas na época do vento. Ouvíamos lá embaixo o rumor vivo do povoado enquanto estávamos acima dele, no alto da colina, conforme ia embora o fio de cânhamo arrastado pelo vento. ‘Ajuda aqui, Susana.’ E mãos suaves apertavam-se em nossas mãos. ‘Solta mais linha.’
O vento nos fazia rir; juntava o olhar de nossos olhos, enquanto a linha corria entre nossos dedos atrás do vento, até se romper com um leve rangido como se tivesse sido cortada pelas asas de algum pássaro. E lá no alto o pássaro de papel caía em cambalhotas arrastando sua cauda de trapos, perdendo-se no verdor da terra.
Seus lábios estavam molhados como se tivessem sido beijados pelo orvalho.”
Já falei para você sair do banheiro, rapazinho.
Sim, mamãe. Já vou.
De você, eu me lembrava. Quando você estava ali me olhando com seus olhos de água-marinha.”
Ergueu a vista e olhou sua mãe na porta.
Por que você demora tanto a sair? O que está fazendo aí?
Estou pensando.
E não dá para fazer isso em outro lugar? Faz mal ficar tanto tempo no banheiro. Além do mais, você devia ter alguma ocupação. Por que não vai ajudar sua avó a debulhar milho?
Já vou, mamãe. Já vou.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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