terça-feira, 21 de março de 2017

O velho saltimbanco

Por toda parte se aglomerava, espalhava-se, divertia-se o povo em festa. Era uma dessas solenidades há muito tempo esperadas pelos saltimbancos, excursionistas, expositores de animais e boticários ambulantes, para compensar os maus tempos do ano.
Tenho a impressão de que nesses dias o povo esquece tudo, a dor e o trabalho, tornando-se semelhante às crianças. Para os pequenos, é um dia feriado, é o horror à escola, adiada por vinte e quatro horas. Para os grandes, é um armistício firmado com as potências maléficas da vida, uma trégua na contenção e na luta universais.
O homem vulgar e o homem ocupado com trabalhos espirituais dificilmente escapam à influência desse jubileu popular. Absorvem, sem querer, uma parte da atmosfera de despreocupação. Quanto a mim, como verdadeiro parisiense, nunca deixo passar em revistas as barracas que se armam nessas épocas solenes.
Era uma concorrência formidável: piavam, mugiam, urravam. Mistura de gritos, de detonações de cobre e de explosões de foguetes. Com o desembaraço de comediantes senhores de ofício, os queues-rouges e os jocrisses, convulsionando os traços dos rostos tisnados, curtidos pelo vento, pela chuva e pelo sol, soltavam piadas e graçolas de uma comicidade sólida e pesada como a de Molière. Os Hércules, orgulhosos da enormidade dos seus membros, sem fronte e sem crânio, como os orangotangos, remexiam-se majestosamente sob os calções lavados na véspera para a circunstância. As dançarinas, lindas como fadas ou princesas, saltavam e cabriolavam sob o fogo das lanternas, que lhes enchiam os vestidos de centelhas.
Luz, poeira, gritos, alegria, tumulto. Uns gastavam, outros ganhavam. Uns e outros igualmente alegres. As crianças penduravam-se aos vestidos das mães para obter um pauzinho de açúcar, ou subiam aos ombros dos pais para ver melhor um escamoteador deslumbrante como um deus. E por toda parte circulava, dominando todos os perfumes, um odor de gordura que era como um incenso da festa.
No fim, bem no fim da fileira de barracas, como se, envergonhado, se tivesse exilado voluntariamente de todos esses esplendores, eu vi um pobre saltimbanco, curvado, combalido, decrépito, uma ruína de homem, encostado a uma das estacas de sua casinhola; uma casinhola mais miserável do que a do mais bruto selvagem, ainda muito bem iluminada por dois fumegantes pedaços de vela.
Por toda parte, a alegria, o lucro, o deboche. Por toda parte, a certeza do pão para os dias seguintes. Por toda parte, a explosão frenética da vitalidade. Aqui a miséria absoluta, a miséria vestida, por um cúmulo do horror, de cômicos andrajos, em que a necessidade, bem mais do que a arte, introduzira o contraste. O miserável não ria! Não chorava, não dançava, não gesticulava, não gritava. Não entoava nenhuma canção, nem alegre nem comovente.
Não implorava.
Estava mudo e imóvel. Renunciara, abdicara. O seu destino estava cumprido. Passeava o olhar profundo, inolvidável, sobre a multidão e as luzes, cuja onda movediça detinha-se a alguns passos de sua repulsiva miséria! Senti a garganta apertada pela mão terrível da histeria, e pareceu-me que o meu olhar estava ofuscado pelas lágrimas rebeldes que não querem cair.
Que fazer? Para quê perguntar ao infortunado que curiosidade, que maravilha tinha ele para mostras naquelas trevas fétidas, por detrás da cortina esfiapada? Não me atrevia; e, embora a razão da minha timidez vos faça rir, confessarei que temia humilhá-lo. Afinal, eu já me resolvera a pôr, de passagem, algum dinheiro sobre uma daquelas tábuas, esperando que ele adivinhasse a minha intenção, quando um grande refluxo de povo, provocado por não sei que desordem, arrastou-me para longe dele.
Ao regressar, perseguido por essa visão, procurei analisar minha súbita amargura, e disse comigo: — Acabo de ver a imagem do velho homem de letras que sobreviveu à geração da qual foi o brilhante recreador; do velho poeta sem amigos, sem família, sem filhos, degradado pela miséria e ingratidão pública, em cuja barraca o mundo esquecido não quer mais entrar!
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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