Não
tinha um adjetivo para o dia e desejei ficar triste.
Fui
moer lembranças,
remoê-las
com a areia pobre mas grossa
de
minha desmesurada moela.
Em
mim, tanto faz meu coração ou estômago,
já
que nem pra rezar eu sei partir-me.
Como
quem junta espigas pro moinho,
juntei
uns cheiros de alho, de álcool, de sabonete,
um
cheiro-malva de talco, uns gritos,
fezes
que se pisou ao redor da casa
com
cheiro não tanto repudiável
—
podia-se limpá-las, mas não eram
execráveis —,
a
incúria colateral de vários pâncreas,
o
Trypanosoma cruzi, várias cruzes no sangue, no exame,
nas
covas, nas torres, no cordãozinho de ouro,
na
forma de levantar os braços e dizer:
“Ó
Pai, duro é este discurso, quem poderá entendê-lo?”
Se
abrisse um sol sobre este dia incômodo,
eu
rapava com enxada os excrementos,
punha
fogo no lixo
e
demarcava mais fácil os contornos da vida:
aqui
é dor, aqui é amor, aqui é amor e dor,
onde
um homem projeta o seu perfil e pergunta atônito:
em
que direção se vai?
É
às vezes fazendo a barba
ou
insistindo no vinco de sua calça branca
que
ele quer saber.
É
às vezes aparando as unhas,
em
nem sempre escolhidas horas,
que
ele tem a resposta.
Um
adjetivo para o dia, explica.
Adélia
Prado
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