“Se
o conhecimento é uma forma de escrita, mesmo sem palavras, uma
respiração calada, a narrativa que o silêncio faz de si mesmo,
então não se deve escrever, nem mesmo admitindo que fazê-lo seria
o reconhecimento do conhecimento. Pode escrever-se acerca do
silêncio, porque é um modo de alcançá-lo, embora impertinente.
Pode também escrever-se por asfixia, porque essa não é maneira de
morrer. Pode escrever-se ainda por ilusão criminal: às vezes
imagina-se que uma palavra conseguirá atingir mortalmente o mundo. A
alegria de um assassinato enorme é legítima, se embebeda o
espírito, libertando-o da melancolia da fraternidade universal. Mas
se apesar de tudo se escrever, escreva-se sempre para estar só. A
escrita afasta concretamente o mundo. Não é o melhor método, mas é
um. Os outros requerem uma energia espiritual que suspeita do próprio
uso da escrita, como a religiosidade suspeita da religião e o
demonismo da demonologia. A escrita - inferior na ordem dos atos
simbólicos - concilia-se mal com a metamorfose interior - finalidade
e símbolo, ela mesma, da energia espiritual. O espírito tende a
transformar o espírito, e transforma-o. O resultado é misterioso. O
resultado da escrita, não.”
Herberto
Helder, in Photomaton
& Vox
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