sábado, 11 de março de 2017

Cidade cheia de ecos


Esta cidade está cheia de ecos. Parece até que estão trancados no oco das paredes ou debaixo das pedras. Quando você caminha, sente que vão pisando seus passos. Ouve rangidos. Risos. Umas risadas já muito velhas, como cansadas de rir. E vozes já desgastadas pelo uso. Você ouve tudo isso. Acho que vai chegar o dia em que esses sons se apagarão.
Isso era o que Damiana Cisneros vinha me dizendo, enquanto atravessávamos a cidade.
Teve um tempo em que andei ouvindo durante muitas noites o barulho de uma festa. Os ruídos chegavam até a Media Luna. Cheguei perto para ver aquela animação e vi isto: o que estamos vendo agora. Nada. Ninguém. As ruas tão solitárias como estão agora.
Depois deixei de ouvir a festa. É que a alegria cansa. Por isso não estranhei quando aquilo terminou.
Sim — tornou a dizer Damiana Cisneros. — Esta cidade está cheia de ecos. Eu já não me espanto. Ouço o uivo dos cães e deixo que uivem. Nos dias de brisa a gente vê o vento arrastando folhas das árvores, quando aqui, como você vê, já não há árvores. Existiram em algum tempo, porque se não tivessem existido de onde essas folhas sairiam?
E o pior de tudo é quando você ouve as pessoas falarem, como se as vozes saíssem de alguma fenda, e ainda assim tão claras que dá para reconhecê-las. Sem tirar nem pôr, agora que eu vinha vindo, encontrei um velório. Parei para rezar um pai-nosso. E nisso estava eu, quando uma mulher se afastou das outras e veio me dizer:
“— Damiana! Roga a Deus por mim, Damiana!
Soltou o xale e reconheci a cara da minha irmã Sixtina.
“— O que você está fazendo aqui? — perguntei a ela.
Então ela correu para se esconder entre as outras mulheres.
Minha irmã Sixtina, se por acaso você não sabe, morreu quando eu tinha 12 anos. Era a mais velha. E na minha casa fomos 16 de família, daí dá para você fazer as contas do tempo que ela está morta. E olha ela aí até agora, ainda vagando por este mundo. Por isso não se assuste se ouvir ecos mais recentes, Juan Preciado.
A senhora também recebeu aviso de minha mãe dizendo que eu ia vir? — perguntei.
Não. E aliás, o que foi feito da sua mãe?
Morreu — disse.
Já morreu? E de quê?
Eu não soube de quê. Talvez de tristeza. Suspirava muito.
Isso é ruim. Em cada suspiro é como se a gente se desfizesse de um sorvo de vida. Quer dizer que morreu?
Morreu. Achei que a senhora tinha ficado sabendo...
E por que eu haveria de saber? Faz muitos anos que não sei de nada.
E então como é que a senhora deu comigo?
...
A senhora está viva, dona Damiana? Diga, Damiana!
E de repente me encontrei sozinho naquelas ruas vazias. As janelas das casas abertas ao céu, deixando aparecer os talos ressecados do capim. Paredes esfoladas que mostravam seus adobes revirados.
Damiana! — gritei. — Damiana Cisneros!
O eco me respondeu: “...ana... neros...! ...ana... neros..!”
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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