— Esta
cidade está cheia de ecos. Parece até que estão trancados no oco
das paredes ou debaixo das pedras. Quando você caminha, sente que
vão pisando seus passos. Ouve rangidos. Risos. Umas risadas já
muito velhas, como cansadas de rir. E vozes já desgastadas pelo uso.
Você ouve tudo isso. Acho que vai chegar o dia em que esses sons se
apagarão.
Isso
era o que Damiana Cisneros vinha me dizendo, enquanto atravessávamos
a cidade.
— Teve
um tempo em que andei ouvindo durante muitas noites o barulho de uma
festa. Os ruídos chegavam até a Media Luna. Cheguei perto para ver
aquela animação e vi isto: o que estamos vendo agora. Nada.
Ninguém. As ruas tão solitárias como estão agora.
“Depois
deixei de ouvir a festa. É que a alegria cansa. Por isso não
estranhei quando aquilo terminou.
“Sim
— tornou a dizer Damiana Cisneros. — Esta cidade está cheia de
ecos. Eu já não me espanto. Ouço o uivo dos cães e deixo que
uivem. Nos dias de brisa a gente vê o vento arrastando folhas das
árvores, quando aqui, como você vê, já não há árvores.
Existiram em algum tempo, porque se não tivessem existido de onde
essas folhas sairiam?
“E
o pior de tudo é quando você ouve as pessoas falarem, como se as
vozes saíssem de alguma fenda, e ainda assim tão claras que dá
para reconhecê-las. Sem tirar nem pôr, agora que eu vinha vindo,
encontrei um velório. Parei para rezar um pai-nosso. E nisso estava
eu, quando uma mulher se afastou das outras e veio me dizer:
“—
Damiana! Roga a Deus por mim, Damiana!
“Soltou
o xale e reconheci a cara da minha irmã Sixtina.
“— O
que você está fazendo aqui? — perguntei a ela.
“Então
ela correu para se esconder entre as outras mulheres.
“Minha
irmã Sixtina, se por acaso você não sabe, morreu quando eu tinha
12 anos. Era a mais velha. E na minha casa fomos 16 de família, daí
dá para você fazer as contas do tempo que ela está morta. E olha
ela aí até agora, ainda vagando por este mundo. Por isso não se
assuste se ouvir ecos mais recentes, Juan Preciado.
— A
senhora também recebeu aviso de minha mãe dizendo que eu ia vir? —
perguntei.
— Não.
E aliás, o que foi feito da sua mãe?
—
Morreu — disse.
— Já
morreu? E de quê?
— Eu
não soube de quê. Talvez de tristeza. Suspirava muito.
— Isso
é ruim. Em cada suspiro é como se a gente se desfizesse de um sorvo
de vida. Quer dizer que morreu?
—
Morreu. Achei que a senhora tinha ficado
sabendo...
— E
por que eu haveria de saber? Faz muitos anos que não sei de nada.
— E
então como é que a senhora deu comigo?
– ...
— A
senhora está viva, dona Damiana? Diga, Damiana!
E
de repente me encontrei sozinho naquelas ruas vazias. As janelas das
casas abertas ao céu, deixando aparecer os talos ressecados do
capim. Paredes esfoladas que mostravam seus adobes revirados.
—
Damiana! — gritei. — Damiana
Cisneros!
O
eco me respondeu: “...ana... neros...! ...ana... neros..!”
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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