“… e
essa história só não é rápida porque as palavras não são
rápidas. Trata-se de uma pessoa. Morava num quarto alugado na casa
de uma família. Era uma família ocupada, embaraçada em seus
inúmeros deveres e pouco tomavam conhecimento da mulher do quarto
alugado. Às vezes o pai ou um dos filhos passava para o banheiro e
havia frases curtas trocadas.
Depois
de algum tempo nem mesmo essa conversa se fazia senão como um
murmúrio, e depois incorporou-se ao silêncio. Quanto à pessoa, era
uma mulher de meia idade. Tratava-se de pessoa cuidadosa com os seus
pertences, ciosa da própria limpeza. Seu quarto, aliás, a refletia
bastante: era limpo e quase vazio. Pois foi essa mulher –
inclassificável a menos que se descesse com interesse às
profundezas de seu pensamento, o que não ocorreria a ninguém, tão
desinteressante ela era -, pois foi essa mulher que viveu
silenciosamente uma aventura. E, por mais estranho, uma aventura
espiritual.” Simplesmente não me lembro que história eu estava
pretendendo contar, ao escrever estas linhas. Sei que era para ser um
conto, mas que aventura espiritual seria? Não me lembro mais, e
deixo aos leitores menos experientes, que escrevem ainda como
exercício, o trabalho de continuar.
Apenas
enfunei uma vela e esta se fez ao mar. Mas e o rumo? Perdi a bússola.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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