sábado, 11 de fevereiro de 2017

Perda de Auréola


Olá! Você por aqui, meu caro! Num lugar mal frequentado! Você, o bebedor de quintessências! Você, o comedor de ambrosia! Palavra que me surpreende!
Meu caro, você conhece o meu pavor dos cavalos e dos veículos. Ainda há pouco, ao atravessar a avenida, muito apressado, escorreguei na lama, esse caos movediço onde a morte aparece de todos os lados. Minha auréola, num movimento brusco, saiu-me da cabeça e foi parar no barro do macadame. Não tive coragem de apanhá-la. Achei menos desagradável perder minhas insígnias do que quebrar os ossos. Afinal de contas, pensei, há males que são para bem. Posso, agora, andar incógnito, praticar atos baixos e cair na devassidão, como os simples mortais. E eis-me aqui, igual a você, como está vendo!
Mas deveria ao menos anunciar a perda da auréola, ou fazê-la reclamar pelo comissário.
Isso, não! Estou bem aqui. Só você me reconhece. Além disso, ando farto de dignidade. E depois acho que não faltará um poeta para apanhá-la e cobrir-se com ela. Fazer alguém feliz, que prazer! Sobretudo um feliz que me fará rir! Pense no X ou no Z! Hein? Vai ser um gozo!
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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