Dormiu-se
bem. De manhãzim ― moal de aves e pássaros em revoo, e pios e
cantos ― a gente toda discorria, se esparramava, atarefados,
ajudando para o derradeiro. Os bogós de couro foram enchidos nas
nascentes da lagoa, e enqueridos nas costas dos burrinhos. Também
tínhamos trazido jumentos, só modo para carregar. Os cavalos ainda
pastavam um pouco, do capim-grama, que tapava os pés deles. Se dizia
muita alegria. Cada um pegava também sua cabaça d água, e na
capanga o diário de se valer com o que comer ― paçoca. Medeiro
Vaz, depois de não dizer nada, deu ordem de seguida. Primeiro, para
adiante, foi uma turma de cinco homens, a patrulhazinha. Constante
que com a gente estavam três bons rastreadores ― Suzarte, Joaquim
Beijú e Tipote ― esse Tipote sabia meios de descobrir cacimbas e
grotas com o bebível, o Suzarte desempenhava um faro de
cachorro-mestre, e Joaquim Beijú conhecia cada recanto dos gerais,
de dia e de noite, referido deletreado, quisesse podia mapear planta.
Saímos, semoventes. Seis novilhos gordos a gente repontava, serviam
para se carnear em rota. De repente, com a gente se afastando, os
pássaros todos voltavam do céu, que desciam para seus lugares, em
ponto, nas frescas beiras da lagoa ― ah, a papeagem no buritizal,
que lequelequêia. A ver, e o sol, em pulo de avanço, longe na banda
de trás, por cima de matos, rebentava, aquela grandidade. Dia
desdobrado.
Em
o que afundamos num cerrado de mangabal, indo sem volvência, até
perto de hora do almoço. Mas o terreno aumentava de soltado. E as
árvores iam se abaixando menorzinhas, arregaçavam saia no chão. De
vir lá, só algum tatú, por mel e mangaba. Depois, se acabavam as
mangabaranas e mangabeirinhas. Ali onde o campo larguêia. Os urubús
em vasto espaceavam. Se acabou o capinzal de capim-redondo e
paspalho, e paus espinhosos, que mesmo as môitas daquele de
prateados feixes, capins assins. Acabava o grameal, naquelas paragens
pardas. Aquilo, vindo aos poucos, dava um peso extrato, o mundo se
envelhecendo, no descampante. Acabou o sapé brabo do chapadão. A
gente olhava para trás. Daí, o sol não deixava olhar rumo nenhum.
Vi a luz, castigo. Um gavião-andorim! foi o fim de pássaro que a
gente divulgou. Achante, pois, se estava naquela coisa ― taperão
de tudo, fofo ocado, arrevesso. Era uma terra diferente, louca, e
lagoa de areia. Onde é que seria o sobejo dela, confinante? O sol
vertia no chão, com sal, esfaiscava. De longe vez, capins mortos; e
uns tufos de seca planta ― feito cabeleira sem cabeça.
As-exalastrava a distância, adiante, um amarelo vapor. E fogo
começou a entrar, com o ar, nos pobres peitos da gente.
Exponho
ao senhor que o sucedido sofrimento sobrefoi já inteirado no começo;
daí só mais aumentava. E o que era para ser. O que é pra ser ―
são as palavras! Ah, porque. Por que? Juro que! pontual nos
instantes de o raso se pisar, um sujeito dos companheiros, um João
Bugre, me disse, ou disse a outro, do meu lado!
― ...O
Hermógenes tem pauta... Ele se quis com o Capiroto...
Eu
ouvi aquilo demais. O pacto! Se diz ― o senhor sabe. Bobeia. Ao que
a pessoa vai, em meia-noite, a uma encruzilhada, e chama fortemente o
Cujo ― e espera. Se sendo, há-de que vem um pé-de-vento, sem
razão, e arre se comparece uma porca com ninhada de pintos, se não
for uma galinha puxando barrigada de leitões. Tudo errado,
remedante, sem completação... O senhor imaginalmente percebe? O
crespo ― a gente se retém ― então dá um cheiro de breu
queimado. E o dito ― o Côxo ― toma espécie, se forma! Carece de
se conservar coragem. Se assina o pacto. Se assina com sangue de
pessoa. O pagar é a alma. Muito mais depois. O senhor vê,
superstição parva? Estornadas!...
O
Hermógenes tem pautas... Provei. Introduzi. Com ele ninguém
podia? O Hermógenes ― demônio. Sim só isto. Era ele mesmo.
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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