sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Nunca te vi, sempre te amei...

Dentro da cratera de um vulcão que se extinguiu há 500 milhões de anos, no alto de uma montanha de Minas de onde se vê muito longe, eu planto árvores para meus amigos mortos e para meus amigos que vão morrer. Para o meu amigo Ladon Sheats plantei uma árvore que se chama “liquidambar”. A pequena muda cresceu muito e hoje é uma árvore com mais de seis metros de altura. O estranho nessa amizade é que nós nunca nos vimos. Ouvi sua voz uma vez apenas, ao telefone. Eu estava nos Estados Unidos e o chamei de um telefone público. Conversamos. Eu, livre para voar e ir para onde eu quisesse. Ele, pássaro engaiolado cumprindo pena numa penitenciária. Agosto de 1976. Chega-me dos Estados Unidos um bilhete escrito numa folha de bloco cortada ao meio:
Caro Rubem Alves: Seus pensamentos no livro Tomorrow’s Child têm tido uma profunda influência sobre a minha vida. A sua capacidade de sintetizar... a clareza com que você se exprime são dons muito bonitos. Por isso sou-lhe muito agradecido. Afetuosamente, Ladon Sheats.”
O signatário não dizia quem era. Fiquei com o bilhete na mão, sem saber o que pensar. Alguns dias depois, recebi carta de um amigo com as explicações.
Esse bilhete foi escrito de uma prisão em Alexandria. Ladon Sheats está cumprindo uma sentença por haver participado de uma demonstração contra as armas nucleares acontecida no Pentágono.”
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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