—
Xi,
Gaetaninho,
como é bom!
Gaetaninho
ficou banzando bem no meio da rua. O Ford quase o derrubou e ele não
viu o Ford. O carroceiro disse um palavrão e ele não ouviu o
palavrão.
—
Eh!
Gaetaninho! Vem pra dentro. Grito materno sim: até filho surdo
escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o
chinelo.
—
Subito!
Foi-se
chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o
terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo.
Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu
meia-volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro. Eta
salame de mestre!
Ali
na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou
carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento.
Por
isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil.
Um sonho.
O
Beppino por exemplo. O Beppino naquela tarde atravessara de carro a
cidade. Mas como? Atrás da Tia Peronetta que se mudava para o Araçá.
Assim também não era vantagem. Mas se era o único meio? Paciência.
Gaetaninho enfiou a cabeça embaixo do travesseiro.
Que
beleza, rapaz! Na frente quatro cavalos pretos empenachados levavam a
Tia Filomena para o cemitério. Depois o padre. Depois o Savério
noivo dela de lenço nos olhos. Depois ele. Na boleia do carro. Ao
lado do cocheiro. Com a roupa marinheira e o gorro branco onde se
lia: ENCOURAÇADO SÃO PAULO. Não. Ficava mais bonito de roupa
marinheira mas com a palhetinha nova que o irmão lhe trouxera da
fábrica. E ligas pretas segurando as meias. Que beleza, rapaz!
Dentro do carro o pai, os dois irmãos mais velhos (um de gravata
vermelha, outro de gravata verde) e o padrinho Seu Salomone. Muita
gente nas calçadas, nas portas e nas janelas dos palacetes, vendo o
enterro. Sobretudo admirando o Gaetaninho. Mas Gaetaninho ainda não
estava satisfeito. Queria ir carregando o chicote. O desgraçado do
cocheiro não queria deixar. Nem por um instantinho só.
Gaetaninho
ia berrar mas a Tia Filomena com a mania de cantar o “Ahi, Mari!”
todas as manhãs o acordou.
Primeiro
ficou desapontado. Depois quase chorou de ódio.
Tia
Filomena teve um ataque de nervos quando soube do sonho de
Gaetaninho. Tão forte que ele sentiu remorsos. E para sossego da
família alarmada com o agouro tratou logo de substituir a tia por
outra pessoa numa nova versão de seu sonho. Matutou, matutou, e
escolheu o acendedor da Companhia de Gás, Seu Rubino, que uma vez
lhe deu um cocre danado de doído.
Os
irmãos (esses) quando souberam da história resolveram arriscar de
sociedade quinhentão no elefante. Deu a vaca. E eles ficaram loucos
de raiva por não haverem logo adivinhado que não podia deixar de
dar a vaca mesmo.
O
jogo na calçada parecia de vida ou morte. Muito embora Gaetaninho
não estava ligando.
—
Você
conhecia o pai do Afonso, Beppino?
—
Meu pai
deu uma vez na cara dele.
—
Então
você não vai amanhã no enterro. Eu vou!
O
Vicente protestou indignado:
—
Assim
não jogo mais! O Gaetaninho está atrapalhando!
Gaetaninho
voltou para o seu posto de guardião. Tão cheio de
responsabilidades. O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou
bem perto.
Com
o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as mãos
abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.
—
Passa
pro Beppino!
Beppino
deu dois passos e meteu o pé na bola. Com todo o muque. Ela cobriu o
guardião sardento e foi parar no meio da rua.
—
Vá dar
tiro no inferno!
—
Cala a
boca, palestrino!
—
Traga a
bola!
Gaetaninho
saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e
matou.
No
bonde vinha o pai do Gaetaninho. A gurizada assustada espalhou a
notícia na noite.
—
Sabe o
Gaetaninho?
—
Que é
que tem?
—
Amassou
o bonde!
A
vizinhança limpou com benzina suas roupas domingueiras.
Às
dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro da Rua do Oriente e
Gaetaninho não ia na boleia de nenhum dos carros do acompanhamento.
Ia no da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres por
cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a
palhetinha. Quem na boleia de um dos carros do cortejo mirim exibia
soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino.
Alcântara
Machado,
in Brás,
Bexiga e Barra Funda
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