Num
interlóquio com Marisa Pires, disse-me ela que só gostava de poemas
com rimas porque “a gente já ficava esperando com água na boca”
o que viria depois... e, tendo eu, para manter o papo, adotado a tese
contrária, acabamos ficando cada um com a sua opinião e também com
a do outro. O que está “absolutamente certo!” — como lá
diziam os antigos locutores.
Porque
na verdade esta vida só tem dois encantos: o previsto e o
imprevisto.
Um
exemplo da curtição do primeiro. Despertar e ficar um momento de
olhos fechados — sabendo que existe a luz. E no entanto verás, ao
abrir os olhos, que é como se fosse uma revelação... Quanto ao
imprevisto, pela sua própria natureza, é-me impossível sugerir-te
exemplos: deves tu mesmo procurá-los na memória.
Mas
ouso afirmar que, mesmo para o poeta que está fazendo um poema
rimado, a rima ainda é ou pode ser um imprevisto. Com exceção
desses que rimam “Meu Deus!” com “os olhos teus”. Sim! os
olhos teus — coisa esta que ninguém diz no pleno uso de suas
faculdades, mas tão encontradiça nas modinhas, inclusive as do
grande Catulo, o da paixão brasileira.
Ora,
voltando às revelações da rima, me lembro de que, ao ler pela
primeira vez a Balada dos enforcados de François Víllon, e
ao notar que a rima seria do princípio ao fim em “oudre” —
rima rara em francês — e que aparentemente só lhe faltava o verbo
“coudre”, senti um mal-estar, mas o poeta saiu do aperto dizendo
que os enforcados, expostos ao ar e às bicadas dos pássaros,
estavam “tout bécquetés comme des dés à coudre” — isto é,
picotados como dedais.
E
eis como um poeta da sua alta laia nos dá uma verdadeira surpresa
com uma rima para lá de esperada.
Mário
Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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