terça-feira, 31 de janeiro de 2017

De cor

Vêm os três, em fila, pela trilha esticada à margem da rodovia. A escuridão dissolve seus corpos, entrevistos na escassa luz dos faróis dos caminhões, dos ônibus e dos carros que adivinha a madrugada. Caminham, o mato alto e seco roça as pernas de suas calças.
São pai e filho e um rapaz, conhecido-de-vista, que, encorajado, Pode sim. Tem dez anos que vou a pé. É uma economia danada no fim do mês, resolveu acompanhá-los.
O homem dirige empilhadeira numa transportadora no Limão.
O menino tem dez-onze anos, embora, franzino, aparente bem menos. Agora, largou a escola, vende cachorro-quente — com molho de tomate ou de maionese — e Coca-Cola em frente à firma onde o pai trabalha. À noite, guarda o carrinho no pátio da empresa, os vigias tomam conta. Quando crescer, perder-se Brasil afora, sonha, caminhoneiro.
O rapaz, desempregado, aceita qualquer empreitada, O negócio tá feio!
O menino vai à frente, o homem no meio, o rapaz atrás.
Esse aí ó, vale ouro, diz, orgulhoso, o pai, tentando adivinhar a feição do companheiro que ofega asmático às suas costas, pés farejadores. É de uma inteligência! Quer ver?
Vira-se, mira o letreiro do ônibus que passa velozmente, “Garanhuns”, fala.
Pernambuco, o menino replica, automaticamente.
O rapaz desdenha, “É isso?”
Ele sabe onde ficam todas as cidades do Brasil, o pai argumenta. Tem um mapa na cabeça, o peste.
Todas?
Todas!
O conhecido-de-vista então para, vira-se, mira o letreiro do ônibus que passa velozmente, Merda!, não consegue ler, Muito rápido... Merda!
Alagoinhas”, Essa, esse não acerta.
Bahia, o menino responde, displicente.
É Bahia?, o pai indaga, pressuroso.
É, o rapaz acede, contrariado.
Sem olhar para trás, aguarda outro ônibus que passa velozmente, “Itaberaba”, nome da cidade da mulher, agora não é…, “Bahia, também”, O reliento acertou! Desgramado!”.
Num falei?
Onde é que esse raio aprendeu essas coisas?
Sei não...
Ele não é de falar não, né? Ô menino! Ô!
É... Ele é mei caladão... Asselvajado...
Envaidecido, vira-se, mira o letreiro do ônibus que passa velozmente, “Governador Valadares”.
Minas Gerais.
Impressionante!, o rapaz conforma-se.
Caminham, o mato alto e seco pinica seus braços.
Já pensou levar ele na televisão?
Heim?
É... naqueles programas que as pessoas vão responder as coisas...
Televisão?
Televisão...
Dá dinheiro, né?
Ô, se!
O homem busca o filho que marcha à frente escondido dentro de uma jaqueta puída, dois números acima do seu tamanho.
Os ônibus os caminhões os carros as luzes São Paulo
Televisão…
Luiz Rufatto, in Eles eram muitos cavalos

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