terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Cãs de guarda

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Por fim, chegou o dia em que os planos de Bola-de-Neve ficaram prontos. Na Reunião do domingo seguinte deveria ser posta em votação a questão de começar ou não o trabalho no moinho de vento.
Quando os animais se reuniram no grande celeiro, Bola-de-Neve levantou-se e, embora fosse interrompido de vez em quando pelo balido das ovelhas, expôs suas razões em favor da construção do moinho de vento. Depois levantou-se Napoleão para rebater.
Disse calmamente que o moinho de vento era uma tolice, que não aconselhava ninguém a votar a favor daquilo. Sentou-se de novo; falara durante trinta segundos, se tanto, e parecia indiferente ao resultado.
Ante isso, Bola-de-Neve pôs-se de pé outra vez, calou a gritos as ovelhas que começavam a balir de novo e irrompeu num candente apelo em favor do moinho de vento. Até então, os bichos estavam quase igualmente divididos em suas simpatias, mas num instante de eloqüência Bola-de-Neve arrastou a todos. Com sentenças ardentes, pintou um quadro de como poderia ser a Granja dos Bichos quando o trabalho sórdido fosse sacudido de sobre os ombros de todos. Sua imaginação ia agora além de moinhos de cereais e cortadores de nabos. A eletricidade — disse ele — poderia movimentar debulhadoras, arados, grades rolos compressores, ceifeiras e atadeiras, além de fornecer a cada baia sua própria luz, água quente e fria, e um aquecedor elétrico. Quando parou de falar, não havia dúvidas quanto ao resultado da votação. Porém, exatamente nesse momento Napoleão levantou-se e, dando uma estranha olhadela de viés para Bola-de-Neve, soltou um guincho estridente que ninguém ouvira antes.
Ouviu-se um terrível ladrido lá fora e nove cães enormes, usando coleiras tachonadas com bronze, entraram latindo no celeiro. Jogaram-se sobre Bola-de-Neve, que saltou do lugar onde estava, mal a tempo de escapar àquelas presas. Num instante, saiu porta fora com os cães em seu encalço. Espantados e aterrorizados demais para falar, os bichos amontoaram-se na porta para observar a caçada. Bola-de-Neve corria pelo campo em direção à estrada, como só um porco sabe correr, mas os cachorros se aproximavam. De repente ele caiu e pareceu que o apanhariam. Mas levantou-se outra vez e correu como um desesperado. Já os cães o alcançavam de novo. Um deles quase fechou as mandíbulas no rabicho de Bola-de-Neve, que o sacudiu bem na hora. Aí fez um esforço extremo e, ganhando algumas polegadas, enfiou-se por um buraco da sebe e sumiu.
Calados e aterrados, os animais voltaram furtivamente para dentro do celeiro. Logo chegaram os cachorros, latindo. A princípio ninguém pôde imaginar de onde tinham vindo — aquelas criaturas, mas o mistério logo se aclarou: eram os cachorrinhos que Napoleão havia tomado às mães e criado secretamente. Embora ainda não tivessem completado o crescimento, já eram uns cães enormes e mal-encarados como lobos. Permaneceram junto a Napoleão e notou-se que sacudiam a cauda para ele da mesma maneira como os outros cachorros costumavam fazer para Jones.
Napoleão, com os cachorros a segui-lo, subiu para o estrado, de onde o Major fizera seu discurso. Anunciou que daquele momento em diante terminariam as Reuniões dos domingos de manhã. Eram desnecessárias perdas de tempo. Para o futuro, todos os problemas relacionados com o funcionamento da granja seriam resolvidos por uma comissão de porcos, presidida por ele, que se reuniria em particular e depois comunicaria suas decisões aos demais. Os animais continuariam a reunir-se aos domingos para saudar a bandeira, cantar Bichos da Inglaterra e receber as ordens da semana; não haveria debates.
A despeito do estado de choque em que a expulsão de Bola-de-Neve os deixara, os bichos ficaram desalentados com aquela notícia. Vários teriam protestado, se conseguissem achar os argumentos. Até Sansão ficou um tanto perturbado. Murchou as orelhas, sacudiu o topete várias vezes e fez um esforço tremendo para pôr em ordem as idEias; mas afinal não conseguiu pensar nada para dizer. Alguns porcos, porém, tinham maior flexibilidade de raciocínio. Quatro jovens porcos castrados, colocados na primeira fila, soltaram altos guinchos de protesto e levantaram-se falando a um só tempo. Mas os cachorros, junto de Napoleão, soltaram um rosnado fundo e ameaçador, e os porcos calaram-se, sentando-se de novo. Aí estrondaram as ovelhas um formidável balido de “Quatro pernas bom, duas pernas ruim” que durou cerca de um quarto de hora, acabando com qualquer hipótese de discussão. Mais tarde, Garganta foi mandado percorrer a granja para explicar a nova situação aos demais.
Camaradas — disse — tenho certeza de que cada animal compreende o sacrifício que o Camarada Napoleão faz ao tomar sobre seus ombros mais esse trabalho. Não penseis, camaradas, que a liderança seja um prazer. Pelo contrário, é uma enorme e pesada responsabilidade. Ninguém mais que o Camarada Napoleão crê firmemente que todos os bichos são iguais. Feliz seria ele se pudesse deixar-vos tomar decisões por vossa própria vontade; mas, às vezes, poderíeis tomar decisões erradas, camaradas; então, onde iríamos parar? Suponhamos que tivésseis decidido seguir Bola-de-Neve com suas miragens de moinho de vento — logo Bola-de-Neve — que, como sabemos, não passava de um criminoso?
Ele lutou bravamente na Batalha do Estábulo — disse alguém.
Bravura não basta — respondeu Garganta.
A lealdade e a obediência são mais importantes. E quanto à Batalha do Estábulo, acredito, tempo virá em que verificaremos que o papel de Bola-de-Neve foi um tanto exagerado. Disciplina, camaradas, disciplina férrea! Este é o lema para os dias que correm. Um passo em falso e o inimigo estará sobre nós. Por certo, camaradas, não quereis Jones de volta, hem?
Uma vez mais esse argumento era irrespondível. Sem dúvida alguma, os bichos não desejavam Jones de volta; e se a realização dos debates do domingo podia ter essa consequência, que cessassem os debates. Sansão, que já tivera tempo de pensar, expressou o sentimento geral: “Se é o que diz o Camarada Napoleão, deve estar certo”. E daí por diante adotou a máxima “Napoleão tem sempre razão” acrescentando-a ao seu lema particular “Trabalharei mais ainda”.
George Orwell, in A revolução dos bichos

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