Nota
do Autor
Eu,
Márcio Borges, escrevo este livro, isolado no alto das montanhas,
neste ponto da Mantiqueira que amo e escolhi para morar com minha
família. Escrevo, portanto, muito distante dos ambientes que ele
frequenta e descreve.
Não
o faço para obter qualquer tipo de reconhecimento. Escrevo para
cumprir um impulso, esvaziar meus escaninhos e recontar para mim
mesmo, com os olhos do tempo e da distância, uma história que de
qualquer forma já está contada nas músicas que compus.
É
a aventura de minha vida, ou seja, meu encontro casual com outro
jovem, de nome simples e anônimo como ele próprio, chamado Milton
do Nascimento, certo dia longínquo de 1963, e as consequências
enormes desse encontro, não só para nossas vidas individuais, mas
também para uma porção de outras pessoas.
Narro
aqui apenas o período mais intenso dessa parceria que vai de 1963
até aproximadamente 1980. Não pretendo fazer obra de scholar e não
ofereço rigor com relação a dados e datas. Tampouco tenho a
pretensão de erguer um monumento memorial - trata-se antes de uma
sucessão de inexatidões, um experimento de ficção. Por outro
lado, procurei ser o mais fiel possível às minhas próprias
lembranças, que foram minha fonte de pesquisa mais recorrente e
fundamental, paia não dizer a única. Reli algumas cartas e jornais
velhos que trazia guardados numa mala idem, conversei com um e outro
amigo daqueles tempos - e foi só, em termos de pesquisa.
Como
já disse, é um relato incompleto, alguma vez até equivocado quanto
à ordem O mundo é injusto, a gente tem que se virar, está,
pensando, talvez, na sentença pronunciada pelo velho redator de
jornal, ao explicar a James Stewart a justeza de determinada manchete
que não correspondia bem aos fatos, em inesquecível sequência do
filme O Homem que Matou o Facínora, de John Ford. O jornalista
justifica: - Quando a lenda se torna fato, imprima-se a lenda!
De
qualquer modo, é meu testemunho pessoal, filtrado pelo tempo, de uma
história que aconteceu na maior parte sob minha vista, com minha
participação - eventos que têm início quando éramos pouco mais
que meninos sonhadores, tendo como pano de fundo os governos
militares a sufocar inexoravelmente os anseios e pretensões de nossa
geração e se estendem por mais uns quinze anos, quando então a
força de nossa música já teria extravasado todos os limites que
poderíamos ter concebido nos magros tempos das boates do edifício
Maletta e do Ponto dos Músicos em Belo Horizonte, e se tornado
reconhecida até pelos próprios ídolos internacionais que desde lá,
daqueles dias sofridos e sonhadores, admirávamos e cultuávamos. É
quando também o espírito gregário que alicerçava o nosso trabalho
começa a volitar em viagem sem volta. É até onde vai este meu
relato; mais ou menos até os dias da gravação do disco Clube da
Esquina 2. Dali em diante, fui me retirando aos poucos do show-bizz
até desaparecer de vez.
Ressurjo
agora para contar aquelas cenas longínquas que hoje brilham em meus
olhos através das lentes que naturalmente adquirimos com a idade
madura e a vista cansada: as da compaixão e da saudade. Portanto, e
finalmente, este relato é de minha parte só uma invocação, uma
celebração, uma ode ao tempo que passou voando e apenas ocorreu
aquela única vez na vida de cada um de nós.
Márcio
Borges, in Os sonhos não envelhecem
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