terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Os sonhos não envelhecem


Nota do Autor

Eu, Márcio Borges, escrevo este livro, isolado no alto das montanhas, neste ponto da Mantiqueira que amo e escolhi para morar com minha família. Escrevo, portanto, muito distante dos ambientes que ele frequenta e descreve.
Não o faço para obter qualquer tipo de reconhecimento. Escrevo para cumprir um impulso, esvaziar meus escaninhos e recontar para mim mesmo, com os olhos do tempo e da distância, uma história que de qualquer forma já está contada nas músicas que compus.
É a aventura de minha vida, ou seja, meu encontro casual com outro jovem, de nome simples e anônimo como ele próprio, chamado Milton do Nascimento, certo dia longínquo de 1963, e as consequências enormes desse encontro, não só para nossas vidas individuais, mas também para uma porção de outras pessoas.
Narro aqui apenas o período mais intenso dessa parceria que vai de 1963 até aproximadamente 1980. Não pretendo fazer obra de scholar e não ofereço rigor com relação a dados e datas. Tampouco tenho a pretensão de erguer um monumento memorial - trata-se antes de uma sucessão de inexatidões, um experimento de ficção. Por outro lado, procurei ser o mais fiel possível às minhas próprias lembranças, que foram minha fonte de pesquisa mais recorrente e fundamental, paia não dizer a única. Reli algumas cartas e jornais velhos que trazia guardados numa mala idem, conversei com um e outro amigo daqueles tempos - e foi só, em termos de pesquisa.
Como já disse, é um relato incompleto, alguma vez até equivocado quanto à ordem O mundo é injusto, a gente tem que se virar, está, pensando, talvez, na sentença pronunciada pelo velho redator de jornal, ao explicar a James Stewart a justeza de determinada manchete que não correspondia bem aos fatos, em inesquecível sequência do filme O Homem que Matou o Facínora, de John Ford. O jornalista justifica: - Quando a lenda se torna fato, imprima-se a lenda!
De qualquer modo, é meu testemunho pessoal, filtrado pelo tempo, de uma história que aconteceu na maior parte sob minha vista, com minha participação - eventos que têm início quando éramos pouco mais que meninos sonhadores, tendo como pano de fundo os governos militares a sufocar inexoravelmente os anseios e pretensões de nossa geração e se estendem por mais uns quinze anos, quando então a força de nossa música já teria extravasado todos os limites que poderíamos ter concebido nos magros tempos das boates do edifício Maletta e do Ponto dos Músicos em Belo Horizonte, e se tornado reconhecida até pelos próprios ídolos internacionais que desde lá, daqueles dias sofridos e sonhadores, admirávamos e cultuávamos. É quando também o espírito gregário que alicerçava o nosso trabalho começa a volitar em viagem sem volta. É até onde vai este meu relato; mais ou menos até os dias da gravação do disco Clube da Esquina 2. Dali em diante, fui me retirando aos poucos do show-bizz até desaparecer de vez.
Ressurjo agora para contar aquelas cenas longínquas que hoje brilham em meus olhos através das lentes que naturalmente adquirimos com a idade madura e a vista cansada: as da compaixão e da saudade. Portanto, e finalmente, este relato é de minha parte só uma invocação, uma celebração, uma ode ao tempo que passou voando e apenas ocorreu aquela única vez na vida de cada um de nós.
Márcio Borges, in Os sonhos não envelhecem

Nenhum comentário:

Postar um comentário