terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O desmedido tempo

E, com pouco, o Menino espiava, da janelinha, as nuvens de branco esgarçamento, o veloz nada. Entretempo, se atrasava numa saudade, fiel às coisas de lá. Do tucano e do amanhecer, mas também de tudo, naqueles dias tão piores: a casa, a gente, a mata, o jeep, a poeira, as ofegantes noites — o que se afinava, agora, no quase-azul de seu imaginar. A vida, mesmo, nunca parava. O Tio, com outra gravata, que não era a tão bonita, com pressa de chegar olhava no relógio. Entrepensava o Menino, já quase na fronteira soporosa. Súbita seriedade fazia-lhe a carinha mais comprida.
E, quase num pulo, agoniou-se: o bonequinho macaquinho não estava mais em seu bolso! Não é que perdera o macaquinho companheiro!... Como fora aquilo possível? Logo as lágrimas lhe saltavam.
Mas, então, o moço ajudante do piloto veio trazer-lhe, de consolo, uma coisa: — “Espia, o que foi que eu achei, para Você.” — e era, desamarrotado, o chapeuzinho vermelho, de alta pluma, que ele, outro dia, tanto tinha jogado fora!
O Menino não pôde mais atormentar-se de chorar. Só o rumor e o estar no avião o atontavam. Segurou o chapeuzinho sozinho, alisou-o, o pôs no bolso. Não, o companheirinho Macaquinho não estava perdido, no sem-fundo escuro no mundo, nem nunca. Decerto, ele só passeava lá, porventuro e porvindouro, na outra-parte, aonde as pessoas e as coisas sempre iam e voltavam. O Menino sorriu do que sorriu, conforme de repente se sentia: para fora do caos pré-inicial, feito o desenglobar-se de uma nebulosa.
E era o inesquecível de-repente, de que podia traspassar-se, e a calma, inclusa. Durou um nem-nada, como a palha se desfaz, e, no comum, na gente não cabe: paisagem, e tudo, fora das molduras. Como se ele estivesse com a Mãe, sã, salva, sorridente, e todos, e o Macaquinho com uma bonita gravata verde — no alpendre do terreirinho das altas árvores... e no jeep aos bons solavancos... e em toda-a-parte... no mesmo instante só... o primeiro ponto do dia... donde assistiam, em tempo-sobre-tempo, ao sol no renascer e ao vôo, ainda muito mais vivo, entoante e existente — parado que não se acabava — do tucano, que vem comer frutinhas na dourada copa, nos altos vales da aurora, ali junto de casa. Só aquilo. Só tudo.
— “Chegamos, afinal!” — o Tio falou.
— “Ah, não. Ainda não...” — respondeu o Menino.
Sorria fechado: sorrisos e enigmas, seus. E vinha a vida.
Guimarães Rosa, in Primeiras estórias

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