Quatro
pessoas vinham pelo terreiro. O avô de Tom, à frente. Era um velho
magro, vivaz, esfarrapado, de andar apressado, a arrastar a perna
direita, do lado que estava deslocado. À medida que vinha chegando,
ocupava-se em abotoar as calças, e suas mãos enrugadas e trêmulas
tinham dificuldade em realizar a tarefa, porquanto ele enfiara o
botão de cima na casa de baixo, e assim o último botão não tinha
lugar onde ser enfiado. Trajava calças escuras muito surradas e
camisa azul aberta de cima a baixo, deixando à mostra uma camisa de
meia muito comprida e também desabotoada. O peito magro e branco, em
que se embarafustavam fios de cabelo branco, estava visível através
da abertura central da camisa de meia. Ele deixou de incomodar-se
afinal com os botões da calça, tratando de fechar a camisa de meia,
mas também logo abandonou essa tarefa e foi puxando os suspensórios
castanhos. Seu rosto magro era facilmente excitável e os olhinhos
eram vivos e maldosos como os de uma criança buliçosa. Era um rosto
desagradável, maligno, escarnecedor e rabugento, um rosto que
narrava histórias feias. Tinha traços de luxúria, viciosidade,
crueldade e impaciência, e acima de tudo satisfação. Era um velho
que, quando podia, bebia até cair, comia o mais que podia, quando
podia, e falava sempre, sem cessar.
Atrás
dele coxeava a avó, uma mulher que sobrevivera apenas porque era tão
má quanto o marido. Mantinha-se numa religiosidade aguda, feroz, que
era tão viciosa e selvagem quanto o próprio marido. Certa vez,
depois do culto, ainda em êxtase, agarrou a espingarda do marido e
fez fogo contra ele, com ambos os canos, raspando-lhe as nádegas, e
daí em diante ele a respeitou e não tentou torturá-la como as
crianças torturam os bichinhos. Coxeando atrás do marido, ela
segurava a saia comprida de encontro às pernas e soltava, em tom
agudo, o grito de guerra: Com Deus, pela vitória!...
Os
dois velhinhos esforçavam-se cada qual por chegar mais depressa à
porta da casa. Disputavam por qualquer motivo; sentiam o prazer e a
necessidade da disputa.
Atrás
deles, movendo-se com passos iguais e vagarosos, vinham o velho Tom
Joad e seu filho Noah, o primogênio, alto, e tranquilo e
extravagante, que andava sempre com um aspecto de pasmo nas faces,
calmo e perplexo. Nunca esteve irritado, colérico, na vida. Olhava
admirado as pessoas encolerizadas, como uma pessoa normal olha um
louco. Noah movia-se devagar, raramente falava, e quando o fazia era
com tal lentidão que os que não o conheciam bem julgavam-no um
idiota. Era pouco orgulhoso, e não tinha problemas sexuais.
Trabalhava e dormia seguindo um ritmo curioso que, não obstante,
satisfazia-o. Gostava imensamente de sua gente, mas jamais lhe
demonstrava o seu amor. Embora o observador não pudesse dizer por
quê, Noah dava a impressão de que era um aleijado; desfigurado do
corpo, da cabeça, das pernas ou apenas do espírito, a verdade é
que ninguém poderia lhe apontar um membro deformado. O velho Tom
Joad pensava que sabia por que Noah era assim, mas o velho Tom Joad
tinha vergonha de dizê-lo, e jamais o disse. Na noite em que Noah
nasceu, seu pai, apavorado com a distensão das coxas da mulher,
sozinho em casa, horrorizado com os gritos agudos do sofrimento dela,
ficou louco de apreensão. Usando suas próprias mãos, seus dedos
fortes como fórceps, puxou e deu uma torção na criança. A
parteira, chegando tarde demais, foi encontrar a cabeça do menino
fora da posição normal, o pescoço distendido, o corpo torcido; e
então ela recolocou-a no lugar e moldou com as mãos o corpinho
frágil. O velho Tom Joad sempre se lembrava dessa cena e sentia
vergonha ao recordá-la. E ele era mais carinhoso com Noah que com os
outros filhos. Na face larga, olhos muito apartados um do outro,
queixo alongado e frágil, o velho pensava ver ainda a figurinha
arqueada e retorcida do recém-nascido. Noah poderia fazer o que
quisesse, sabia ler e escrever, trabalhar ou ficar cismando o que
quisesse, mas ele jamais parecia dar importância a essas coisas; não
se importava com coisa alguma, não o atraía nada do que as outras
pessoas precisavam e queriam. Ele vivia enclausurado numa torre de
silêncio, de onde olhava para fora com olhos calmos. Era um estranho
para todos, mas não podia ser considerado um solitário.
Os
quatro vinham chegando pelo terreiro e o avô perguntava:
— Onde
tá ele? Diabo, onde é que ele está?
E
seus dedos exploravam os botões da calça e esqueciam-nos para
remexerem nos bolsos. Depois, ele viu seu neto, Tom, parado à porta.
Estacou e fez com que os outros, que vinham atrás dele, também
estacassem. Seus olhinhos brilhavam maliciosos.
— Vejam
só — disse. — Um que teve engaiolado. Fazia tempo que um Joad
não ia na cadeia. — Seus pensamentos deram uma reviravolta. —
Prenderam ele injustamente. Fez o que eu também fazia. Esses filho
da puta não tinha razão de prender ele. — Seus pensamentos deram
novo salto. — E o velho Turnbull, esse zorrilho fedorento, pensando
como ia te matar quando ocê saísse da prisão! Diss’que tinha
sangue dos Hatfield. Bem, eu também não deixei ele sem resposta.
Disse assim pra ele: olhe, não se meta com os Joad, ouviu? Eu tenho
é sangue dos MacCoy, tá ouvindo? Meta-se com o Tommy e ocê vai se
arrepender. Pego no rifle e te dou é um tiro no rabo. E aí ele
ficou com medo.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
Nenhum comentário:
Postar um comentário