Lennie olhou para ele, todo tímido:
– George?
– O que ocê qué?
– Pr’onde é que a gente tá indo,
George?
O homenzinho puxou para baixo a aba do
chapéu e olhou torto para Lennie.
– Então, ocê já isqueceu, foi? Vô
tê que falá de novo, né? Jesus Cristo, ocê é um idiota loco!
– Isqueci – Lennie disse suavemente.
– Eu tentei não isquecê. Juro por Deus que tentei, George.
– Tudo bem, tudo bem. Vô falá de
novo. Não posso fazê nada. Parece que eu passo o tempo todo falando
as coisa pr’ocê, aí ocê isquece e eu falo tudo de novo.
– Eu tentei, tentei sim – Lennie
disse. – Mas não adiantô nada. Eu lembro daquilo dos coelho,
George.
– Que se dane os coelho. A única coisa
que ocê consegue lembrá é esses coelho. Tudo bem! Agora vê se
ouve bem e dessa veiz ocê vai tê que lembrá pra gente não se metê
em encrenca. Ocê lembra de quando a gente tava sentado naquela
sarjeta da rua Howard e viu uma placa?
O rosto de Lennie se abriu em um sorriso
cheio de satisfação:
– Mas claro que sim, George, lembro
sim… mas… o que foi memo que a gente fez depois? Lembro de umas
moça que passô, e ocê disse… ocê disse…
– Que se dane o que eu disse. Ocê
lembra que a gente entrou no escritório do Murray e do Ready, e que
eles deu pra gente uns cartão de trabaio e umas passagem de ônibus?
– Ah, claro, George. Agora eu lembrei.
– Percorreu rapidamente com as mãos os bolsos laterais do casaco.
Disse bem baixinho: – George… o meu num tá aqui. Devo tê
perdido em algum lugá. – Olhou para o chão, desesperado. – O
seu nunca ficou co’ocê, seu idiota loco. Os dois tão aqui comigo.
Ocê acha que eu ia dexá ocê carregá seu cartão de trabaio?
Lennie sorriu aliviado:
– Eu… eu achei que tinha colocado no
bolso. – Colocou a mão no bolso de novo.
George olhou para ele com severidade:
– O que foi que ocê tirou aí desse
bolso?
– Num tem nada no meu bolso – Lennie
disse, com esperteza.
– Eu sei que num tem. Ocê tá
segurando na mão. O que é qu’ocê tem aí na mão… o que qu’ocê
tá escondendo?
– Num tem nada, não, George. Sério.
– Anda logo, dá aqui.
Lennie afastou de George a mão fechada:
– É só um rato, George.
– Um rato? Um rato vivo?
– Não. Só um rato morto, George, num
fui eu que matou. Sério! Eu achei. Achei morto.
– Dá aqui! – disse George.
– Ah, deixa eu ficá com ele, George.
– Dá aqui!
A mão de Lennie obedeceu vagarosamente.
George pegou o rato e jogou por sobre a lagoa, para o outro lado, no
meio do bosque.
– Pra que é qu’ocê qué um rato
morto, hein?
– Eu fiquei agradando ele co’o dedão
enquanto a gente ficou andando – respondeu Lennie.
– Bom, ocê não vai ficá agradando
rato nenhum enquanto anda comigo. Agora ocê lembra onde a gente tá
indo?
Lennie pareceu confuso e então,
envergonhado, escondeu a cabeça entre os joelhos:
– Isqueci de novo.
– Jesus Cristo – George disse, cheio
de resignação. – Bom… olha, a gente tá indo pr’uma fazenda
igual àquela lá do Norte, de onde a gente tá vindo.
– Lá do Norte?
– De Weed.
– Ah, tá. Eu lembro. De Weed.
– A fazenda pra onde a gente vai é
logo ali, a uns quinhentos metro. A gente vai lá falá co’o
patrão. Então, vê bem… eu vô dá pra ele os tíquete de
trabaio, mas ocê num vai dá nenhum pio. Ocê só vai ficá lá
parado sem dizê nada. Se ele descobri o idiota loco qu’ocê é, a
gente não vai consegui trabaio nenhum, mas se ele vê ocê trabaiá
antes de ouvi ocê falá, pronto. Entendeu?
– Claro, George, claro que entendi.
– Tudo bem. Então, quando a gente for
falá co’o patrão, o que é memo que ocê vai dizê?
– Eu… eu – Lennie estava pensando.
O seu rosto ficou rígido de tanto esforço. – Eu… eu num vô
falá nada. Só vô ficá lá parado.
– Bom garoto. É isso aí. Fala isso
umas duas, treis veiz, pra tê certeza que ocê num vai isquecê.
Lennie murmurou para si mesmo, bem
baixinho:
– Num vô falá nada… Num vô falá
nada… Num vô falá nada.
– Tudo bem – George disse. – E ocê
também num vai fazê nenhuma coisa errada, igual qu’ocê feiz em
Weed, viu?
Lennie ficou com cara de quem não estava
entendendo nada:
– Igual eu fiz em Weed?
– Ah, então ocê também isqueceu
daquilo, é? Bom, eu é que num vô fazê ocê lembrá, pr’ocê num
fazê de novo.
Uma luz de compreensão invadiu o rosto
de Lennie.
– Eles ixpulsô a gente de Weed –
explodiu, cheio de triunfo.
– É, foi memo, caramba – George
disse, desgostoso. – A gente saiu correndo. O pessoal tava memo
atrás da gente, mas ninguém pegô a gente.
Lennie deu risadinhas alegres.
– Num isqueci isso, pode tê certeza.
George se deitou sobre a areia e cruzou
as mãos por sob a nuca, e Lennie o imitou, erguendo um pouco a
cabeça para conferir se estava fazendo certo.
– Caramba, ocê dá o maió trabaio –
George disse. – Eu podia tá me dando muito bem se num tivesse ocê
no meu pé. Eu ia podê levá uma vida fácil e, vai sabê, podia até
arrumá uma muié pra mim.
John Steinbeck, in Ratos e
homens
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