A Torre de Babel (1563), de Pieter Bruegel
Deus
sabotou a construção da Torre de Babel simplesmente porque não
gostava de espigões, ou arranha-céus, como poeticamente eram
denominados em tempos que não vão longe. Hoje, basta o pejorativo
de espigões para ver-se o quanto os abominamos — com exceção dos
construtores — estranho sinônimo dos demolidores da beleza e da
comodidade do mundo. Era tão bom viver à flor da terra...
Mas
parece que eles, os construtores, andaram lendo por demais as novelas
de ficção científica. Tudo são elevados ou subterrâneos. Ou
anda-se minhocando por debaixo da terra ou pairando em alturas. Se ao
menos fossem os jardins suspensos da Babilônia... Onde está o nosso
querido chão humano? Tudo é tão desnatural!
Quando
ainda há pouco estive no Rio, encaminharam-nos diretamente da porta
do avião para um túnel, ao fim do qual aconteceu uma escada
rolante, depois mais um túnel e mais uma escada, depois a espera de
que as nossas bagagens passassem por nós. Era o Rio aquilo?
Não:
parecia que estávamos dentro de um conto de Kafka. No hotel
perguntou-me o gerente se eu preferia um quarto da frente ou dos
fundos. Escolhi um dos fundos porque haveria menos barulho. Engano
d’alma! Lá nos fundos havia uma britadeira que trabalhou toda a
noite. E, no regresso, puxa! Quanta fila de espera e quanto guichê e
quanto elevador! E ainda os cariocas indagavam se eu não achava uma
maravilha aquele novo aeroporto... Eu achava a coisa um pesadelo
técnico.
A
sorte é que andei autografando no Largo do Boticário — um oásis
no Rio de hoje, com seus casarões coloniais, com seus lampiões —
e tudo aquilo reconstruído ou ressuscitado pela senhora proprietária
do local — uma construtora inteligente.
Mário
Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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