– Ele
está é estragando a roupa.
– É
melhor tirar o paletó pra não esculhambar.
Quincas
pareceu aliviado quando lhe retiraram o paletó negro e pesado,
quentíssimo. Mas, como continuava a cuspir a cachaça, tiraram-lhe
também a camisa. Curió namorava os sapatos lustrosos, os seus
estavam em pandarecos. Pra que morto quer sapato novo, não é,
Quincas?
– Dão
direitinho nos meus pés.
Negro
Pastinha recolheu no canto do quarto as velhas roupas do amigo,
vestiram-no e reconheceram-no então:
–
Agora, sim, é o velho Quincas.
Sentiam-se
alegres. Quincas parecia também mais contente, desembaraçado
daquelas vestimentas incômodas. Particularmente grato a Curió, pois
os sapatos apertavam-lhe os pés. O camelô aproveitou para aproximar
sua boca do ouvido de Quincas e sussurrar-lhe algo sobre Quitéria.
Pra que o fez? Bem dizia Negro Pastinha que aquela conversa sobre a
rapariga irritava Quincas. Ficou violento, cuspiu uma golfada de
cachaça no olho de Curió. Os outros estremeceram, amedrontados.
– Ele
se danou.
– Eu
não disse?
Pé-de-Vento
terminava de vestir as calças novas, cabo Martim ficara com o
paletó. A camisa Negro Pastinha trocaria, num botequim conhecido,
por uma garrafa de cachaça. Lastimavam a falta de cuecas. Com muito
jeito, cabo Martim disse a Quincas:
– Não
é para falar mal, mas essa sua família é um tanto quanto
econômica. Acho que o genro abafou as cuecas...
–
Unhas-de-fome... – precisou Quincas.
– Já
que você mesmo diz, é verdade. A gente não queria ofender eles,
afinal são seus parentes. Mas que pão-durismo, que sumiticaria...
Bebida por conta da gente, onde já se viu sentinela desse jeito?
– Nem
uma flor... – concordou Pastinha. – Parentes dessa espécie eu
prefiro não ter.
– Os
homens, uns bestalhões. As mulheres, umas jararacas – definiu
Quincas, preciso.
– Olha,
paizinho, a gorducha até que vale uns trancos... Tem uma padaria que
dá gosto.
– Um
saco de peidos.
– Não
diga isso, paizinho. Ela tá um pouco amassada mas não é pra tanto
desprezo. Já vi coisa pior.
– Negro
burro. Nem sabe o que é mulher bonita.
Pé-de-Vento,
sem nenhum senso de oportunidade, falou:
–
Bonita é Quitéria, hein, velhinho? O
que é que ela vai fazer agora? Eu até...
– Cala
a boca, desgraçado! Não vê que ele se zanga?
Quincas,
porém, nem ouvia. Atirava a cabeça para o lado do cabo Martim, que
pretendera subtrair-lhe, naquela horinha mesmo, um trago na
distribuição da bebida. Quase derruba a garrafa com a cabeçada.
– Dá
a cachaça do paizinho... – exigia Negro Pastinha.
– Ele
estava esperdiçando – explicava o Cabo.
– Ele
bebe como quiser. É um direito dele.
Cabo
Martim enfiava a garrafa pela boca aberta de Quincas:
–
Calma, companheiro. Não tava querendo
lhe lesar. Tá aí, beba a sua vontade. A festa é mesmo sua...
Tinham
abandonado a discussão sobre Quitéria. Pelo jeito, Quincas não
admitia nem que se tocasse no assunto.
– Boa
pinga! – elogiou Curió.
–
Vagabunda! – retificou Quincas,
conhecedor.
–
Também pelo preço…
Jorge
Amado, in A morte e a morte de Quincas Berro D’água
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