segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Agora, sim, é o velho Quincas.

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Ele está é estragando a roupa.
É melhor tirar o paletó pra não esculhambar.
Quincas pareceu aliviado quando lhe retiraram o paletó negro e pesado, quentíssimo. Mas, como continuava a cuspir a cachaça, tiraram-lhe também a camisa. Curió namorava os sapatos lustrosos, os seus estavam em pandarecos. Pra que morto quer sapato novo, não é, Quincas?
Dão direitinho nos meus pés.
Negro Pastinha recolheu no canto do quarto as velhas roupas do amigo, vestiram-no e reconheceram-no então:
Agora, sim, é o velho Quincas.
Sentiam-se alegres. Quincas parecia também mais contente, desembaraçado daquelas vestimentas incômodas. Particularmente grato a Curió, pois os sapatos apertavam-lhe os pés. O camelô aproveitou para aproximar sua boca do ouvido de Quincas e sussurrar-lhe algo sobre Quitéria. Pra que o fez? Bem dizia Negro Pastinha que aquela conversa sobre a rapariga irritava Quincas. Ficou violento, cuspiu uma golfada de cachaça no olho de Curió. Os outros estremeceram, amedrontados.
Ele se danou.
Eu não disse?
Pé-de-Vento terminava de vestir as calças novas, cabo Martim ficara com o paletó. A camisa Negro Pastinha trocaria, num botequim conhecido, por uma garrafa de cachaça. Lastimavam a falta de cuecas. Com muito jeito, cabo Martim disse a Quincas:
Não é para falar mal, mas essa sua família é um tanto quanto econômica. Acho que o genro abafou as cuecas...
Unhas-de-fome... – precisou Quincas.
Já que você mesmo diz, é verdade. A gente não queria ofender eles, afinal são seus parentes. Mas que pão-durismo, que sumiticaria... Bebida por conta da gente, onde já se viu sentinela desse jeito?
Nem uma flor... – concordou Pastinha. – Parentes dessa espécie eu prefiro não ter.
Os homens, uns bestalhões. As mulheres, umas jararacas – definiu Quincas, preciso.
Olha, paizinho, a gorducha até que vale uns trancos... Tem uma padaria que dá gosto.
Um saco de peidos.
Não diga isso, paizinho. Ela tá um pouco amassada mas não é pra tanto desprezo. Já vi coisa pior.
Negro burro. Nem sabe o que é mulher bonita.
Pé-de-Vento, sem nenhum senso de oportunidade, falou:
Bonita é Quitéria, hein, velhinho? O que é que ela vai fazer agora? Eu até...
Cala a boca, desgraçado! Não vê que ele se zanga?
Quincas, porém, nem ouvia. Atirava a cabeça para o lado do cabo Martim, que pretendera subtrair-lhe, naquela horinha mesmo, um trago na distribuição da bebida. Quase derruba a garrafa com a cabeçada.
Dá a cachaça do paizinho... – exigia Negro Pastinha.
Ele estava esperdiçando – explicava o Cabo.
Ele bebe como quiser. É um direito dele.
Cabo Martim enfiava a garrafa pela boca aberta de Quincas:
Calma, companheiro. Não tava querendo lhe lesar. Tá aí, beba a sua vontade. A festa é mesmo sua...
Tinham abandonado a discussão sobre Quitéria. Pelo jeito, Quincas não admitia nem que se tocasse no assunto.
Boa pinga! – elogiou Curió.
Vagabunda! – retificou Quincas, conhecedor.
Também pelo preço…
Jorge Amado, in A morte e a morte de Quincas Berro D’água

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