quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Nestor

- “Nestor” - repetiu ela. Depois: - Ninguém mais se chama Nestor.
- Devo ser o último.
- Você tem alguma outra coisa diferente?
- Faço isto. Dobrou o dedo indicador para trás, até quase tocar o braço.
- Que mais?
- Multiplico qualquer número por qualquer número, até três dígitos.
- Trezentos e vinte e quatro vezes duzentos e um.
Ele fechou os olhos para pensar. Depois abriu-os e perguntou:
- Por quê?
- Como, “por quê”?
- Eu sei a resposta, mas só digo se você for adiante.
- Como, “for adiante”?
- For adiante. Perguntar tudo a meu respeito. Me contar tudo a seu respeito. Se nós passarmos deste ponto, não podemos voltar atrás. Vamos nos conhecer profundamente. Vamos ter um relacionamento intenso e total.
- Como “total”?
- Precisamos nos definir agora. Ou isto é um encontro casual na praia, e não significa nada, e nunca mais nos veremos, ou é o encontro das nossas vidas. Você escolhe. Eu já fiz a multiplicação na cabeça e já sei a resposta, mas só digo se você estiver disposta a ir adiante.
Ela hesitou. Disse:
- Eu tenho namorado.
- Então acho melhor parar por aqui.
Ela fechou um olho, fez uma careta e perguntou:
- Você é muito estranho?
- Não posso dizer. Você vai descobrir. Ou não.
Nova hesitação. Ela fazendo um buraco na areia com o calcanhar, tentando se decidir. Finalmente:
- Tá bom. Qual é o resultado?
- Sessenta e cinco mil, cento e vinte e quatro.
- Como é que eu sei se está certo?
- Você não sabe.
Dezessete anos depois ela perguntou se naquele dia, na praia, ele tinha acertado mesmo o número, e ele, apertando as correntes em torno do bustiê de couro preto que ela usava sobre a pele, respondeu:
-E eu me lembro?
Luís Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam

Nenhum comentário:

Postar um comentário