domingo, 20 de novembro de 2016

Desensinando o amor aos livros

Quer ensinar um jovem a odiar literatura? Dê-lhe, como dever, fazer fichamentos de obras clássicas. A tarefa de fichar o livro desvia o aluno do único objetivo da leitura que é o prazer. Eu estava em processo de mudança. Numa sala, uma montanha de livros. Um dos carregadores olhou assombrado para os livros. Era certo que nunca havia visto tantos. E comentou: “Como deve ser difícil decorar todos esses livros...”. Aquele carregador dizia em linguagem direta o que está dito na tarefa de fichar: ler é uma tarefa penosa. Em vez do fichamento, peça que o aluno fale sobre as ideias dele, aluno, que aquele livro o fez pensar. Para que fazer um resumo do livro se o livro inteiro já está escrito? Pavlov, cientista russo, mostrou que é possível fazer um cão salivar pelo simples toque de uma campainha. Sua lição se aplica à pedagogia. Os fichamentos, repetidos várias vezes, criam no aluno o reflexo condicionado de repulsão pelo livro.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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