Delmira Agustini
A
este quarto ela foi chamada pelo homem que tinha sido seu marido; e
querendo tê-la, ele amou-a e matou-a e se matou.
Os
jornais uruguaios de 1914 publicam a foto do corpo que jaz tombado
junto à cama, Delmira abatida por dois tiros de revólver, nua como
seus poemas, as meias caídas, toda despida de vermelho:
– Vamos
mais longe na noite, vamos...
Delmira
Agustini escrevia em transe. Tinha cantado as febres do amor sem
disfarces pacatos, e tinha sido condenada pelos que castigam nas
mulheres o que nos homens aplaudem, porque a castidade é dever
feminino, e o desejo, como a razão, um privilégio masculino. No
Uruguai, as leis caminham na frente das pessoas, que ainda separam a
alma do corpo como se fossem a Bela e a Fera. De maneira que perante
o cadáver de Delmira se derramam lágrimas e frases a propósito de
tão sensível perda para as letras nacionais, mas no fundo os
chorosos suspiram com alívio – a morta morta está, e é melhor
assim.
Mas,
morta está? Não serão sombra de sua voz e eco de seu corpo todos
os amantes que ardem nas noites do mundo? Não lhe abrirão um
lugarzinho nas noites do mundo para que cante sua boca desatada e
dancem seus pés resplandecentes?
Eduardo
Galeano, in Mulheres
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