quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O passageiro do raio de luz

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Prometo-lhe quatro artigos”, o jovem examinador de patentes escreveu ao amigo. A carta anunciava algumas das novidades mais significativas da história da ciência, mas sua extrema importância foi mascarada pelo tom travesso que era típico de seu autor. Afinal, ele acabara de chamar o amigo de “baleia congelada”, e se desculpara por escrever uma carta que não passava de “tagarelice inconsequente”. Só quando chegou ao ponto em que descrevia os artigos, preparados em suas horas vagas, deu indicações de que compreendia a transcendência deles.
O primeiro trata da radiação e das propriedades energéticas da luz, e é muito revolucionário”, explicou. Claro, era realmente revolucionário. Argumentava que a luz poderia ser considerada não só como onda, mas também como uma corrente de minúsculas partículas chamadas quanta. As implicações que sua teoria acabaria provocando - o cosmos sem causalidade ou certeza estrita - iriam assombrá-lo pelo resto da vida.
O segundo artigo é uma determinação do verdadeiro tamanho dos átomos.” Muito embora a própria existência do átomo ainda fosse debatida, aquele era o mais direto dos artigos, por isso ele o escolheu como a melhor opção para sua mais recente tentativa de tese de doutorado. Estava começando a revolucionar a física, mas fora repetidamente desencorajado em seus esforços de obter uma posição académica ou mesmo o título de doutor, que, esperava, iria promovê-lo de examinador de terceira classe para examinador de segunda classe no escritório de patentes.
O terceiro artigo explicava o movimento em ziguezague das partículas microscópicas em líquidos usando uma análise estatística das colisões aleatórias. Acabou comprovando que átomos e moléculas realmente existiam.
O quarto artigo não passa de um esboço a esta altura, e é uma eletrodinâmica dos corpos em movimento que emprega uma modificação da teoria do espaço e do tempo.”
Bem, isso era sem dúvida muito mais que tagarelice inconsequente. Baseado puramente em experimentos mentais - realizados em sua cabeça, e não no laboratório -, ele decidiu descartar os conceitos de espaço e tempo absolutos de Newton. Isso se tornaria conhecido como teoria da relatividade especial.
O que ele não disse ao amigo, pois ainda não lhe ocorrera, foi que produziria um quinto artigo naquele ano, um pequeno adendo ao quarto artigo, em que postulava uma relação entre energia e massa. Dele surgiria a equação mais conhecida de toda a física: E = mc 2.
Ao examinar em retrospecto um século que será lembrado por sua disposição em romper com conceitos clássicos, e ao olhar adiante, para uma era que busca nutrir a criatividade necessária à inovação científica, vemos que uma pessoa se destaca como supremo ícone de nossa época: o gentil refugiado da opressão de cabelo despenteado, olhos vivos, benevolência sedutora e inteligência extraordinária cuja face se tornou um símbolo e o nome um sinônimo de genialidade. Albert Einstein era um serralheiro abençoado pela imaginação e guiado pela fé na harmonia das obras da natureza. Sua história fascinante, um testemunho do vínculo entre criatividade e liberdade, reflete os triunfos e tumultos da era moderna.
Agora que seus arquivos foram totalmente abertos, é possível investigar como o aspecto pessoal de Einstein - a personalidade não conformista, o instinto rebelde, a curiosidade, as paixões e desinteresses - interligavam-se com seus lados político e científico. Conhecer o homem ajuda-nos a compreender as fontes de sua ciência, e vice-versa. Personalidade, imaginação e gênio criativo estão relacionados, como se formassem um campo unificado.
Apesar de sua reputação de distraído, ele foi na verdade passional, tanto na vida pessoal como na científica. Na faculdade, apaixonou-se perdidamente pela única mulher de sua turma de física, uma sérvia sombria e profunda chamada Mileva Maric. Tiveram uma filha ilegítima e dois filhos depois do casamento. Ela servia de caixa de ressonância para as ideias científicas dele, e ajudou a checar a parte matemática de seus artigos, mas o relacionamento entre eles acabou por se desintegrar.
Einstein fez-lhe, então, uma proposta. Ganharia o prêmio Nobel um dia, disse; se ela lhe desse o divórcio, ele lhe daria o dinheiro do prêmio. Ela pensou por uma semana e aceitou. Como as teorias dele eram muito radicais, dezessete anos se passaram entre a produção miraculosa no escritório de patentes e a entrega do prêmio, que ela recebeu.
Walter Isaacson, in Einstein: sua vida, seu universo

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