segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O legalismo da patriotagem

Dizia Samuel Johnson que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. É bem verdade que ele referia-se, inicialmente, ao partido a que se filiara, por conter a palavra “patriota” na sua denominação.
Assim como os partidos do Brasil põem nos seus nomes as palavras “democrata”, “socialdemocrata”, “trabalhadores ou trabalhista”, “humanista”, “municipalista”, “cristão”, “popular”, etc. Tudo prostituição semântica.
Pegam a semântica, abrem-lhe as pernas, na cama, e praticam a cópula, para depois gestar a cúpula. A semântica escapa pela janela e o povo cria o rebento.
Pois bem. O pensador referia-se a seu partido, mas ele próprio aceitou, sem contestação, o emprego da sua máxima para referir-se genericamente à hipocrisia do patriotismo.
No Brasil, e é dele que tenho o dever de cuidar nas minhas reflexões, só há uma categoria profissional que merece a denominação de patriotismo fora da canalhice.
São os professores primários. Das antigas escolas isoladas, dos colégios estaduais e municipais; dos grotões do Sertão aos bairros pobres das cidades. Só.
O resto é mesclado. Dos poderes às profissões diversas, em todas as áreas, das corporações às castas. Divididos em patrioteiros, patrifaceiros, patrimagogos, patrifajutos, patrilofotes, patrivangélicos, patricatólicos, patriforenses, patriparentes e até patriotas de mesmo.
Tudo posto e exposto numa vasta estante de exibição luminosa, tão clara que dá pra ver por trás da maquiagem.
E se o patriotismo é mesmo o refúgio da canalhice, o Brasil não é o país da legalidade. É o país do legalismo, que é a canalhice do sistema político da pátria viciada.
Quer ver um exemplo? Mesmo reconhecendo que a exemplificação empobrece o raciocínio abstrato, pondo a filosofia na reserva, não resisto e exemplifico.
O sistema “legal” brasileiro de licitação. Que serve aos holofotes do legalismo, às espertezas dos concorrentes e ao mecanismo de escamotear a legalidade.
Vá à Praia do Meio. No quase frontal do antigo Hotel dos Reis Magos há uma placa enorme, com a especificação dos custos da obra que tenta conter a força do mar. Veja o custo: Oito milhões, quinhentos e setenta mil, novecentos e dez reais e oitenta e cinco centavos. (R$ 8. 570. 910, 85).
Pergunto: Se você fizer uma reforma no banheiro de sua casa, que dure uma semana, terá condições de dizer com precisão quanto vai gastar? Assim: vou gastar precisamente 1.425,00 reais. Pode garantir isso? Não pode. Mesmo sem os centavos.
Imagine garantir os centavos numa obra de oito milhões. Sem previsão de tempo. E são assim todas as obras públicas licitadas. Pra satisfação do controle de faz de conta, e da cavilação legalista.
É esse o país da ordem vigente. Legalista e fora da Lei. Legalismo não é sinônimo de legalidade. É antônimo. Té mais.
François Silvestre, in blogs.portalnoar.com/francoissilvestre

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