domingo, 23 de outubro de 2016

Nobel

- Viu quem ganhou o Nobel de Literatura?
- Quem?
- Este nem você conhece.
- Quem é?
- Um tal de Roger Paillac. Ninguém conhece.
- O Roger Paillac?
- Vai dizer que você conhece?
- Conheço. Mas jamais pensei que ele pudesse ganhar o...
- Espera um pouquinho. Você conhece o Roger Paillac?!
- Escuta aqui. Só porque você não conhece, não quer dizer que ele seja desconhecido.
- Mas todo mundo com quem eu falei, até agora, conhece ele menos do que eu.
- Ora, todo mundo. É preciso ter um mínimo de informação, certo, não é um autor popular. Mesmo na França deve ter muita gente que não conhece.
- Mas você conhece o Marcel Paillac.
- Roger Paillac. Conheço. O que é que eu vou fazer? Conheço.
- É poeta, é?
- Parece que fez poesia também.
- O que você leu dele?
- Lembro de um conto. Uma espécie de conto. Uma coisa assim, meio impressionista. Não me impressionou muito. Nunca entendi muito bem a reputação dele com a nova crítica.
- Não foi ele que escreveu Les oiseaux colerique?
- Não, não. Não tem nada a ver.
- É mesmo. Aquele é o Fouchard de Brest. Quer dizer que o Jean-Louis Paillac...
- Roger Paillac.
- Jean-Louis.
- Roger.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Pois não é Jean-Louis nem Jean-Paul, nem Roger, nem Marcel.
- Como, não é?
- Eu inventei o nome. O Roger Paillac não ganhou prêmio Nobel e nunca vai ganhar porque não existe.
(Silêncio.)
- Rá. Te ganhei.
(Silêncio.)
- Escuta. Você... Eu... Era brincadeira... ESPERA! (Sons de briga. Alguém sendo esgoelado.)
- Socorro! Au secour! Soc.
(Silêncio.)
Luís Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam

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