Só
aprendi a escrever muito tempo depois, aos sete anos de idade. Talvez
pudesse viver sem escrever, mas não creio que pudesse viver sem ler.
Ler - descobri - vem antes de escrever. Uma sociedade pode existir -
existem muitas, de fato - sem escrever, mas nenhuma sociedade pode
existir sem ler. De acordo com o etnólogo Philippe Descola, as
sociedades sem escrita têm sentido linear do tempo, enquanto nas
sociedades ditas letradas o sentido do tempo é cumulativo; ambas
sociedades movem-se dentro desses tempos diferentes mas igualmente
complexos, lendo uma infinidade de sinais que o mundo tem a oferecer.
Mesmo em sociedades que deixaram registros de sua passagem, a leitura
precede a escrita; o futuro escritor deve ser capaz de reconhecer e
decifrar o sistema social de signos antes de colocá-los no papel.
Para a maioria das sociedades letradas - para o Islã, para
sociedades judaicas e cristãs como a minha, para os antigos maias,
para as vastas culturas budistas -, ler está no princípio do
contrato social; aprender a ler foi meu rito de passagem.
Depois
que aprendi a ler minhas letras, li de tudo: livros, mas também
notícias, anúncios, os tipos de pequenos no verso da passagem do
bonde, letras jogadas no lixo, jornais velhos apanhados sob o banco
do parque, grafites, a contracapa das revistas de outros passageiros
no ônibus. Quando fiquei sabendo que Cervantes, em seu apego à
leitura, lia até os pedaços de papel rasgado na rua, entendi
exatamente que impulso o levava a isso.
Alberto
Manguel, in História da leitura
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