sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A terra, a mesma

A terra sempre será a mesma – só as cidades e a história vão mudar, mesmo nações vão mudar, governos e governantes vão acabar, as coisas feitas pelas mãos do homem vão acabar, os prédios sempre vão cair – só a terra vai permanecer a mesma, sempre haverá homens na terra pela manhã, sempre haverá coisas feitas pela mão de Deus – e toda essa história de cidades e congressos agora vai embora, toda a história moderna é apenas uma Babilônia reluzente soltando fumaça ao sol, atrasando o dia em que os homens outra vez terão de voltar à terra, para a terra da vida e de Deus –
Pergunte ao índio americano que mora na terra verde que cresceu nos telhados maias – James Joyce disse – “A História é um pesadelo do qual ainda não acordei.” 10 Mas ela está acordada, agora, isso é tão certo quanto a luz do sol.
Vivemos no mundo que vemos, mas só acreditamos no mundo que não vemos. Quem já acreditou no mundo e morreu com seu nome nos lábios? Quem já disse, no momento de morrer, “Acredito no futuro desta tolice, que a banalidade, esta irrelevância – vai viver para sempre!” Quem morreu sem pensar nas primeiras e últimas coisas, no alfa e ômega da vida na terra?
Viemos a esta terra e não sabemos o que devemos fazer, e em grande desordem e confusão, gritamos no fundo de nossas almas – “Deve ser verdade, pois eu mesmo sou verdade! Verdade! Mas tudo é falso e tolo à nossa volta, e nós mesmos somos os mais falsos e mais tolos, e, oh, o que devemos fazer? Que enorme desordem surge, e onde nós estamos nela? – Finalmente não sentimos que somos verdadeiros. Sentimos que somos completamente falsos. Mas em breve vou escrever um trabalho intitulado “Razões estranhas para o fim da pena capital e por que os homens não devem mais cometer suicídio”, no qual vou mostrar que não importa o que tenha sido feito ao homem, ele não deve ser destruído ou destruir a si mesmo, porque em toda a desordem e ruína horripilante do mundo e da imaginação humana, ainda há vida e a possibilidade de redenção através do mero vislumbre da terra, através da admiração, o mais abjeto tipo de admiração se arrastando por uma rua, e nisso a coisa inteira pode ser redimida, e, FINALMENTE, verdade! Isso é tão execrável. Um assassino merece a chance de se arrepender – o suicida deve dar a si mesmo a oportunidade de maravilhar-se outra vez, de se ver outra vez. Está tudo aqui – porque aqui está o mais importante: se um morto pudesse voltar à terra para viver outra vez entre os homens, por um dia – o que quer que essa alma visse e pensasse, agora é para nós, os vivos, a única verdade, o sentimento mais central possível para um homem, o mais profundo. (E eu sempre me pergunto: – esse homem ressuscitado perderia algum tempo contemplando o bem e o mal deste mundo? Ou ele apenas banquetearia os olhos de sua alma em um olhar faminto para a vida, para a realidade da vida na terra, a coisa em si: criancinhas, homens, mulheres, aldeias, cidades, estações e mares! Um enigma! Um enigma!)
Maldito aquele que pensa e pensa mas nunca está feliz em seus pensamentos, que nunca pode dizer – “Aqui estou eu, pensando”. Não é divertido, não é brincadeira, esse meu pensar eterno, que dura boas doze horas por dia. Por que eu faço isso? É uma forma de meditação, eu na verdade pareço um maluco o dia inteiro. E como minha mãe se acostumou a isso! Acho que se eu não ficasse em casa meditando, ela teria certeza de que as engrenagens do universo tinham parado de girar. E em que penso? Que pensamentos tenho? – Que pensamentos! Uma grande hoste, multidão e mundo de pensamentos, continuo arquitetando outros e trabalhando outra vez nos velhos, alguns dos antigos estão concluídos e só são pensados como conclusões, mundos inteiros de novos chegam arrebentando meus sentimentos, e isso nunca termina. Por que penso? É minha vida, bem aí. É por isso que preciso ficar sozinho e pensando seis dias da semana, porque é minha vida. O que esses pensamentos vão me dar? – Eles não são deste mundo. Eu mesmo não sei o que eles são.
Jack Keourac, in Diários de Jack Keourac

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