O Pensador (1904), de Auguste Rodin
A
arte talvez seja uma das mais belas fontes de contato entre o ser
humano (seja ele o artista ou quem a aprecia) e ele mesmo, pois tem o
poder de dar forma, de traduzir em quadros, esculturas, palavras,
temas que constituem sua própria essência.
Um
dos principais fatores de diferença entre nós, seres humanos, e os
animais, é nossa capacidade de amar, de externar nossos sentimentos,
de interagir com o outro, com o diferente, de nos emocionar.
Os
animais buscam suprir necessidades primárias básicas deles próprios
tais como as relacionadas à sua fisiologia e segurança (fome, sede,
abrigo, reprodução); já o ser humano, além destas, busca também
suprir necessidades superiores tais como as relacionadas a aspectos
sociais e pessoais (inter-relações, vivências, conhecimentos,
emoções), como bem estudou Abraham Maslow em sua “Hierarquia de
Necessidades” demonstrada através da Pirâmide de Maslow.
Praticamente
todas as necessidades superiores humanas estão relacionadas com as
vivências que nós, seres humanos, tivemos ou temos na vida. Somos,
portanto, o resultado das experiências vividas por nós próprios,
ou pelas observações das experiências dos outros de nossa espécie;
tudo isso vai construindo nosso mundo interno, tijolo a tijolo.
Porém,
da mesma forma que ao longo da vida experiências e vivências vão
sendo incorporadas àquilo que somos e trabalhadas na forma de
reflexões, conexões e aprendizados, tais conteúdos internos também
necessitam de alguma forma de vazão, de extravasamento, para que o
equilíbrio do indivíduo se estabeleça; entre as diversas formas de
extravasamento dos conteúdos internos de um ser humano, a arte ocupa
lugar de destaque.
A
arte, em suas mais diversas formas de manifestação, coloca o ser
humano em contato com aquilo que em essência lhe constitui, com o
que lhe é realmente importante, com aquilo que mexe com ele.
Através
da arte (do objeto da criação) o artista (o criador), exterioriza,
revela e expõe aquilo que constitui seu mundo interno, aquilo que é
o seu âmago, a sua essência; a arte tem esse poder, o poder de dar
forma, de traduzir em quadros, esculturas, palavras, temas que são a
própria a matéria prima do criador.
Dentro
desse contexto fica natural perceber que dificilmente encontraríamos
em uma pintura de Monet as formas apaixonadas e sensuais típicas das
esculturas de Rodan, ou de um texto de Veríssimo traços de um drama
digno de trazer à comoção a pessoa mais racional; seus conteúdos
básicos, primários, são distintos!
Em
outras palavras, toda manifestação artística tem o poder de trazer
consigo a intimidade de quem a criou; trata-se de um momento mágico,
íntimo, único, onde a criação (a arte) revela seu criador (o
artista) em uma mistura de emoções que tocam principalmente as
pessoas (o público) que também guardam correlação com o mundo
interno do artista.
A
enorme riqueza e a complexidade de nosso mundo interno, aliada à
essência do poder da arte, talvez explique a forte capacidade de ela
nos conectar com a meta maior da saga humana: as emoções. Vivemos
para viver emoções; as emoções humanas movem o mundo. Não é o
dinheiro ou o poder que move o mundo: são somente as emoções.
Muitas
pessoas querem o dinheiro para viver as diversas emoções que o
dinheiro pode eventualmente lhes proporcionar. Muitas pessoas querem
o poder pelas emoções que o poder pode eventualmente lhes trazer.
A
matéria prima das televisões de todo o mundo são as emoções; só
as emoções! Nelas trafegam livremente os esportes com suas diversas
fontes de emoção, os filmes, as notícias, as telenovelas, todas
fontes puras de emoção.
Os
filmes vendem nada mais do que emoções, os parques temáticos
também; uma “vida ideal “ talvez pudesse ser definida como uma
sucessão de momentos recheados de emoções positivas.
Quando
nos lembramos de fatos de nosso passado, quase sempre esses fatos se
encontram relacionados a momentos onde existiram emoções, positivas
ou negativas, mas que tiveram emoções. O primeiro beijo que demos,
o casamento, o nascimento de um filho, uma separação, a morte de um
ente querido...
Enquanto
as emoções negativas forjam aquilo que somos, modelam nossa
personalidade através, muitas vezes, de duras experiências
vivenciadas por nós mesmos ou observadas nas vivências dos outros,
as emoções positivas preenchem uma necessidade superior do ser
humano: a completude, a felicidade.
Aparentemente
buscamos um todo, um complemento de, e para, nós mesmos. Esse
complemento encontramos nas emoções positivas existentes na vida
humana e dentre elas uma que mais se destaca são as emoções
geradas pelas manifestações artísticas, em suas mais variadas
formas de expressão; sua energia é muito grande.
Sob
o ponto de vista de quem aprecia, seja na fotografia, na música, no
teatro, na arquitetura, no cinema, não importa, sensibiliza-o o
igual, o parecido, toca-o o semelhante, ou aquilo que também tem a
ver com seu mundo interno.
Como
a arte é um canal através do qual o artista dá vazão às suas
pulsões mais íntimas, aos seus desejos, àquilo que ele em essência
é, tendo o poder de escancarar o âmago de quem cria, e de conectar
o público ao criador, quem assiste, quem lê e aprecia,
necessariamente possui conexão com aquele conteúdo manifestado no
objeto da arte.
É
difícil alguém ser profundamente tocado por uma obra que não
guarde correlação com o mundo interno desse alguém; desta forma se
estabelece uma conexão silenciosa e imaterial entre aquele que cria
(o artista) e aquele que aprecia (o público); ambos possuem algo em
comum que é materializado pelo conteúdo que a criação carrega de
maneira silenciosa e intrínseca: a própria obra.
A
arte talvez seja uma das mais belas fontes de contato entre o ser
humano e sua essência, independentemente deste ser humano ser o
criador ou o apreciador. Por consequência, ela tem o poder de nos
elevar, visto que aproxima o sagrado e o profano que habitam dentro
de nós.
Demétrio
M. Rebello,
in obviousmag.org
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