quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Noites de amor em Granada

Durante a tarde ele viu, das oliveiras sobre os montes, chegarem as mulheres, uma atrás da outra. Vinham a que festa, de calçado na mão? Estavam de preto, nas pedras feriam os pés, um sapato em cada mão. Tantas, de luto tão fechado, com elas -desceu a noite. Ali na praça calçaram os sapatos imaculados. Desfilam agora diante do café, Pedro as reconhece.
Os homens escondem o cigarro na palma da mão, de joelhos no próprio cuspo. Alguns dirigem galanteios de enamorado àquela que vem, toda de branco, no frio da noite. Três pombinhas bicam de amor os brancos pés feridos. Mãos trêmulas empurram-se para tocar a fímbria do vestido. Rosas batem no rosto sem machucá-la, à sua passagem as mães beijam os filhos. Grita um cego lá do café: Salve a pombinha branca. Ela inclina a cabeça. Um sorriso a ferida nos lábios. Pedro, apenas ele, sentado à mesa, sem se ajoelhar.
Na Pensión Don Marcos o jantar às dez da noite. Vagando pelas ruas, não sente o sono de há pouco no café, apenas a fome. Demorou o mais que pode, bem sabia o que o esperava. Mais fácil esconder-se no quarto, lembrando os pratos do domingo em casa, não fora o vizinho que tosse. Se não estiver exausto, não poderá dormir com a tosse no outro quarto.
Mãos aflitas lhe agarram o pé, ele não para. Se parar, está perdido: os engraxates. Muito pior são as velhinhas na calçada. Estreita, dá lugar a uma pessoa de cada vez, as velhinhas estão agachadas, um xale preto nos ombros. Por mais cansado, não deve pisá-las — são cegas.
Esgueira-se com passo de ladrão, elas o descobrem e, sem piscar, giram a cabeça à sua passagem.
Não dá nem uma esmola às trinta e duas velhinhas que, embora se dissimule na ponta dos pés, estendem a mão vazia. Há de se distrair com elas até às dez da noite, quando ganhará sua sopa de lentilhas. Granada seria mais bela não fossem as velhinhas. Ele sabe que é seguido desde o café. Enquanto se atardou lá dentro", o outro cruzava a porta, vigiando. Um senhor triste, de bengala na mão. Pedro atira o cigarro e, sem se voltar, adivinha que o espião se abaixa e pragueja sete vezes: aprendeu a fumar o cigarro até a última tragada.
Não são dez horas, circulam as jovens ceguinhas de braço dado. Com alegres vozes, sob os balcões desertos, gritam um número de loteria. A mais bonita tem uma rosa encarnada no cabelo e sorri à lisonja dos tipos que, encostados à parede, enrolam o cigarro de palha e cospem.
Às dez da noite, Pedro sentar-se-á diante do prato de lentilhas e, em Granada, há de dormir.
Entra na Pensión Don Marcos. No fim da escada escura a sala de refeições. Quase dez horas, todos ao redor das mesas beliscam furtivamente o pão preto.
O lugar de Pedro ocupado pelo vizinho que tosse. A patroa, chegando com a primeira terrina, avisa que acolheu novos hóspedes. Ele deve colocar-se à mesa com o outro. Tem fome e não quer discutir diante dos pensionistas, que o espreitam de suas cadeiras. A dona pisca o olho vermelho e indica, no lugar do tossidor, um casal de amantes, dando-se as mãos sobre a mesa sem toalha. “Amor” — cochicha a gorda. Ele concorda e instala-se diante do vizinho.
O velho roxo de fúria e do esforço de não tossir. Tira do bolso o lenço, fechado dentro da mão, e leva-o à boca, enquanto tosse, sacudindo os ombros. “Desculpe, senhor”, com voz rouca e lágrima no olho. A gorda serviu os dois por último. “Velha suja” — insulta-a pelas costas — “velha alcoviteira!”
Agita-se na cadeira a espiar os amantes que lhe usurparam a mesa. “Amor...” resmunga e cospe no chão. “Sabe o senhor”, baixou a voz, “que não dormiram a noite inteira?” A patroa enchera o prato de lentilhas até a borda, o velho põe-se a comer devagar, como se não tivesse fome, embora recolhesse as migalhas de pão. A sopa fumega, ele nem sopra a colher. De vez em quando, descansa-a para tossir.
Nojo quando falam de amor...” diz ele. “Se amor fosse isso!” De costas para o casal, volta-se na cadeira. “Repare nas olheiras da moça...” O velho engole todo o caldo, cospe no lenço. "Sou velho. Não durmo à noite, mas gosto do silêncio. Batia na parede, eles paravam.
Achando que eu tinha dormido, começavam de novo...”
Pedro imagina o velho todo vestido, de boina e manta, tossindo a noite inteira. Tosse de lenço na boca ou enterra a cabeça no travesseiro, erguendo-se às vezes para cuspir na bacia. Se não dorme, carece do silêncio para pensar, até que um acesso o faz sacudir a cama de ferro.
A dona pediu o quarto. Era pobre, sem família ou amigo. "É a minha casa", afirma ele.
Já não tenho o dinheiro da pensão, ainda assim é a minha casa. Nela quero morrer, no meu quarto, na cama com lençol branco.” E tosse com o vento encanado do corredor. A gorda deixava as janelas abertas para que o inverno o liquidasse. “Amor”, rolando a palavra na boca, “merda para o amor...” Um ataque de tosse afoga-o e sai da mesa, a apertar no pescoço a manta xadrez.
Com o último pedaço de pão, Pedro sorve a última colher de sopa. Nem um deles dormirá aquela noite: os amantes, o velho, ele. Para ele não haverá amor em Granada. Encolhido na cama, luz acesa por causa do frio, ouvindo a tosse do velho e imaginando as comidas do domingo em casa.
Dalton Trevisan, in Novelas nada exemplares

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