Durante
a tarde ele viu, das oliveiras sobre os montes, chegarem as mulheres,
uma atrás da outra. Vinham a que festa, de calçado na mão? Estavam
de preto, nas pedras feriam os pés, um sapato em cada mão. Tantas,
de luto tão fechado, com elas -desceu a noite. Ali na praça
calçaram os sapatos imaculados. Desfilam agora diante do café,
Pedro as reconhece.
Os
homens escondem o cigarro na palma da mão, de joelhos no próprio
cuspo. Alguns dirigem galanteios de enamorado àquela que vem, toda
de branco, no frio da noite. Três pombinhas bicam de amor os brancos
pés feridos. Mãos trêmulas empurram-se para tocar a fímbria do
vestido. Rosas batem no rosto sem machucá-la, à sua passagem as
mães beijam os filhos. Grita um cego lá do café: Salve a pombinha
branca. Ela inclina a cabeça. Um sorriso a ferida nos lábios.
Pedro, apenas ele, sentado à mesa, sem se ajoelhar.
Na
Pensión Don Marcos o jantar às dez da noite. Vagando pelas ruas,
não sente o sono de há pouco no café, apenas a fome. Demorou o
mais que pode, bem sabia o que o esperava. Mais fácil esconder-se no
quarto, lembrando os pratos do domingo em casa, não fora o vizinho
que tosse. Se não estiver exausto, não poderá dormir com a tosse
no outro quarto.
Mãos
aflitas lhe agarram o pé, ele não para. Se parar, está perdido: os
engraxates. Muito pior são as velhinhas na calçada. Estreita, dá
lugar a uma pessoa de cada vez, as velhinhas estão agachadas, um
xale preto nos ombros. Por mais cansado, não deve pisá-las — são
cegas.
Esgueira-se
com passo de ladrão, elas o descobrem e, sem piscar, giram a cabeça
à sua passagem.
Não
dá nem uma esmola às trinta e duas velhinhas que, embora se
dissimule na ponta dos pés, estendem a mão vazia. Há de se
distrair com elas até às dez da noite, quando ganhará sua sopa de
lentilhas. Granada seria mais bela não fossem as velhinhas. Ele sabe
que é seguido desde o café. Enquanto se atardou lá dentro", o
outro cruzava a porta, vigiando. Um senhor triste, de bengala na mão.
Pedro atira o cigarro e, sem se voltar, adivinha que o espião se
abaixa e pragueja sete vezes: aprendeu a fumar o cigarro até a
última tragada.
Não
são dez horas, circulam as jovens ceguinhas de braço dado. Com
alegres vozes, sob os balcões desertos, gritam um número de
loteria. A mais bonita tem uma rosa encarnada no cabelo e sorri à
lisonja dos tipos que, encostados à parede, enrolam o cigarro de
palha e cospem.
Às
dez da noite, Pedro sentar-se-á diante do prato de lentilhas e, em
Granada, há de dormir.
Entra
na Pensión Don Marcos. No fim da escada escura a sala de refeições.
Quase dez horas, todos ao redor das mesas beliscam furtivamente o pão
preto.
O
lugar de Pedro ocupado pelo vizinho que tosse. A patroa, chegando com
a primeira terrina, avisa que acolheu novos hóspedes. Ele deve
colocar-se à mesa com o outro. Tem fome e não quer discutir diante
dos pensionistas, que o espreitam de suas cadeiras. A dona pisca o
olho vermelho e indica, no lugar do tossidor, um casal de amantes,
dando-se as mãos sobre a mesa sem toalha. “Amor” — cochicha a
gorda. Ele concorda e instala-se diante do vizinho.
O
velho roxo de fúria e do esforço de não tossir. Tira do bolso o
lenço, fechado dentro da mão, e leva-o à boca, enquanto tosse,
sacudindo os ombros. “Desculpe, senhor”, com voz rouca e lágrima
no olho. A gorda serviu os dois por último. “Velha suja” —
insulta-a pelas costas — “velha alcoviteira!”
Agita-se
na cadeira a espiar os amantes que lhe usurparam a mesa. “Amor...”
resmunga e cospe no chão. “Sabe o senhor”, baixou a voz, “que
não dormiram a noite inteira?” A patroa enchera o prato de
lentilhas até a borda, o velho põe-se a comer devagar, como se não
tivesse fome, embora recolhesse as migalhas de pão. A sopa fumega,
ele nem sopra a colher. De vez em quando, descansa-a para tossir.
“Nojo
quando falam de amor...” diz ele. “Se amor fosse isso!” De
costas para o casal, volta-se na cadeira. “Repare nas olheiras da
moça...” O velho engole todo o caldo, cospe no lenço. "Sou
velho. Não durmo à noite, mas gosto do silêncio. Batia na parede,
eles paravam.
“Achando
que eu tinha dormido, começavam de novo...”
Pedro
imagina o velho todo vestido, de boina e manta, tossindo a noite
inteira. Tosse de lenço na boca ou enterra a cabeça no travesseiro,
erguendo-se às vezes para cuspir na bacia. Se não dorme, carece do
silêncio para pensar, até que um acesso o faz sacudir a cama de
ferro.
A
dona pediu o quarto. Era pobre, sem família ou amigo. "É a
minha casa", afirma ele.
“Já
não tenho o dinheiro da pensão, ainda assim é a minha casa. Nela
quero morrer, no meu quarto, na cama com lençol branco.” E tosse
com o vento encanado do corredor. A gorda deixava as janelas abertas
para que o inverno o liquidasse. “Amor”, rolando a palavra na
boca, “merda para o amor...” Um ataque de tosse afoga-o e sai da
mesa, a apertar no pescoço a manta xadrez.
Com
o último pedaço de pão, Pedro sorve a última colher de sopa. Nem
um deles dormirá aquela noite: os amantes, o velho, ele. Para ele
não haverá amor em Granada. Encolhido na cama, luz acesa por causa
do frio, ouvindo a tosse do velho e imaginando as comidas do domingo
em casa.
Dalton
Trevisan, in Novelas nada exemplares
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