Ó
árvores da vida, quando atingireis o inverno?
Ignoramos
a unidade. Não somos lúcidos como as aves
migradoras.
Precipitados ou vagarosos
nos
impomos repentinamente aos ventos
e
tornamos a cair num lago indiferente.
Conhecemos
igualmente o florescer e o murchar.
No
entanto, em alguma parte, vagueiam leões ainda,
alheios
ao desamparo enquanto vivem seu esplendor.
Nós,
porém, quando pensamos totalmente o Uno,
logo
sentimos o lastro do Outro. A hostilidade;
aguarda,
muito perto. Os amantes não hesitam, sem cessar,
entre
limites – eles que aspiravam refúgio, espaço, busca?
Compõe-se,
então, para a fugitiva imagem de um momento
um
fundo de oposição, penosamente, para que
a
possamos ver; que clareza se nos proporciona,
a
nós que ignoramos o contorno da sensação,
aderidos
ao exterior de sua forma. – Quem
desconhece
a angustiosa espera diante
do
palco sombrio do próprio coração?
Olhai:
ergue-se o pano sobre o cenário
de
um adeus. Fácil de compreender. O jardim habitual
a
oscilar ligeiramente. Só então aparece o bailarino.
Ele
não. Basta. E enquanto se
move com desenvoltura,
muda
de aspecto; torna-se um burguês
e
entra na casa pela porta da cozinha.
Não
quero essas máscaras ocas, prefiro
o
boneco de corpo cheio. Susterei
o
títere, os cordéis e o rosto
feito
de aparência. Estou aqui, à espera.
Ainda
que as lâmpadas se apaguem, ainda
que
me digam: “acabou-se”, – ainda que do palco
se
evole o vácuo na corrente de ar cinzento,
ainda
que os antepassados silenciosos
não
estejam ao meu lado, nem mulher, nem mesmo
a
criança de olhos castanhos e estrábicos, –
ficarei
à espera. Sempre há o que ver.
Não
tenho razão? Tu, que por mim provaste
a
amargura da vida, pai, penetrando
a
minha, tu, que provaste a infusão
turva
de meu destino, quando ao teu lado
crescia,
e, inquieto pelo ressaibo de futuro
tão
estranho, puseste à prova
meu
olhar velado ainda; – tu, meu pai,
que
desde que morreste, tantas vezes |
na
esperança que levo em mim, tens medo,
e
que por meu destino incerto abandonas
a
serenidade dos mortos, reinos
de
serenidade, – não tenho razão?
E
vós – não tenho razão? – vós que me
amastes
pelo tímido início de amor
que
vos tinha e do qual me evadia,
pois
o espaço que amava em vosso rosto
em
espaço cósmico se transformava. – Enquanto
aguardo
diante do palco dos títeres, – não,
quando
me transformar inteiramente num intenso
olhar,
um Anjo surgirá para refazer
o
equilíbrio, como o ator que anima os títeres.
Anjo
e boneco: haverá por fim espetáculo.
Congrega-se
então o que, sem cessar,
nossa
existência mesma desagrega. E nasce
das
nossas estações o ciclo da transformação
total.
Muito acima de nós, o Anjo brincará.
Olhai,
os moribundos não mais suspeitariam
que
é pretexto e irrealidade tudo o que aqui
fazemos.
Oh, dias da infância, em que atrás
das
figuras havia mais do que passado e em que
diante
de nós não se abria o futuro!
Crescíamos,
é certo, aspirando, às vezes,
tornar-nos
grandes, talvez por amor
daqueles
que nada mais tinham, senão
o
“ser grandes”. E lá permanecíamos,
em
nossos caminhos solitários,
na
alegria do perdurável, nos limites
do
mundo e do brinquedo, no espaço que desde
a
origem foi criado para um puro evento.
Quem
mostra uma criança tal como é? Quem a
situa
na constelação com a medida da distância
em
suas mãos? Quem faz sua morte
com
pão cinzento que endurece, – ou a abandona
dentro
da boca redonda, como o coração
de
uma bela maçã?... Compreendemos facilmente
os
criminosos. Mas isto: conter a morte,
toda
a morte, ainda antes da vida,
tão
docemente contê-la e não ser perverso,
isto
é inefável.
Rainer
Maria Rilke
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