Nenhuma
brisa faz tilintar a bacia de latão pendurada em um arame, sobre o
oco da porta, anunciando que aqui se fazem barbas, arrancam-se dentes
e aplicam-se ventosas.
Por
mero hábito, ou para sacudir-se da sonolência do verão, o barbeiro
andaluz discursa e canta enquanto acaba de cobrir de espuma a cara de
um cliente. Entre frases e bulícios, sussurra a navalha. Um olho do
barbeiro vigia a navalha, que abre caminho no creme, e outro vigia os
montevideanos que abrem caminho pela rua poeirenta. Mais afiada é a
língua que a navalha, e não há quem se salve das esfoladuras. O
cliente, prisioneiro do barbeiro enquanto dura a função, mudo,
imóvel, escuta a crônica de costumes e acontecimentos e de vez em
quando tenta seguir, com o rabo do olho, as vítimas fugazes.
Passa
um par de bois, levando uma morta para o cemitério. Atrás da
carreta, um monge desfia o rosário. À barbearia chegam os sons de
algum sino que, por rotina, despede a defunta de terceira classe. A
navalha pára no ar. O barbeiro faz o sinal-da-cruz e de sua boca
saem palavras sem desolação:
–
Coitadinha. Nunca foi feliz.
O
cadáver de Rosalia Villagrán está atravessando a cidade de
Montevidéu, ocupada pelos inimigos de Artigas. Há muito que ela
acreditava que era outra, e achava que vivia em outro tempo e em
outro mundo, e no hospital de caridade beijava as paredes e discutia
com as pombas. Rosalia Villagrán, esposa de Artigas, entrou na morte
sem uma moeda que lhe pagasse o ataúde.
Eduardo
Galeano, in Mulheres
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