sábado, 24 de setembro de 2016

A perda abstrata (À maneira dos... baianos)


O extraordinário professor de línguas passeando pelo Brasil punha sempre ouvidos à maneira de falar dos nativos, fossem professores, como ele próprio, ou gente simples do povo.
E o professor ficou fascinado com uma palavra que ouvia a todo momento - absurdo. E, daí em diante, sempre que podia, a toda hora dizia, absurdo! absurdo!, absurdo! E sorria deliciosa satisfação intelectual semântica.
Pois não é que um dia, atravessando a baía da Guanabara a passeio em direção a Paquetá, o professor achou a paisagem um absurdo de bonita e, que horror!, não lembrou a palavra?
Tentou, levantou-se, andou até a popa do barco, depois até a proa, procurando no mais fundo da memória, mas a palavra não veio. E estava ali, de cabeça baixa, andando pra lá e pra cá, sem nem mais olhar a paisagem, quando um taifeiro lhe perguntou: “Que foi, cavalheiro, está sentindo alguma coisa?” “Não, nada, estou só aborrecido. Perdi uma palavra.” “Uma palavra? Estava escrita num papel?” “Não. Não estava escrita em lugar nenhum. Só na minha cabeça.” “Perdeu uma palavra que estava na sua cabeça? Perdão, senhor, mas é um absurdo!” “É isso! Encontrou! Obrigado, meu amigo, obrigado”.
MORAL: A CULTURA ESTÁ EM TODA PARTE.
Millôr Fernandes, in Fábulas fabulosas

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