Durante
a janta tomou seu chocolate como fazia todas as noites. Sentia-se
tranquilo.
—
Escuta,
Anita. Sabe quem foi enterrado hoje?
—
Não,
tio.
—
Você
se lembra de Miguel Páramo?
—
Lembro,
tio.
—
Pois
ele.
Ana
baixou a cabeça.
—
Tem
certeza que foi ele, não é?
—
Certeza,
não, tio. Não vi a cara. Ele me agarrou de noite e na escuridão.
—
Então
como é que soube que era Miguel Páramo?
—
Porque
ele me disse: “Sou eu, Miguel Páramo, Ana. Não se assuste.” Foi
o que ele me disse.
—
Mas
você sabia que ele foi o autor da morte do seu pai, não sabia?
—
Sabia,
tio.
—
E
então, o que fez para afastá-lo?
—
Não
fiz nada.
Os
dois guardaram silêncio durante alguns instantes. Ouvia-se a brisa
morna entre as folhas da goiabeira.
—
Ele
disse que estava ali justamente para isso: me pedir desculpas, e para
saber se eu o perdoaria. Sem me mexer da cama, fui logo avisando: “A
janela está aberta.” E ele entrou. Chegou me abraçando, como se
essa fosse a forma de se desculpar pelo que tinha feito. E eu sorri
para ele. Pensei naquilo que o senhor tinha me ensinado: que não se
deve odiar ninguém nunca. Sorri ao dizer isso para ele; mas depois
achei que não conseguiu ver meu sorriso, porque eu não via ele, de
tão negra que a noite estava. Só deu para sentir que ele estava em
cima de mim e que começava a fazer maldades comigo.
“Achei
que ia me matar. Foi isso que eu achei, tio. E até deixei de pensar,
só para morrer antes que ele me matasse. Mas com certeza ele não se
atreveu.
“Entendi
isso quando abri os olhos e vi a luz da manhã que entrava pela
janela aberta. Antes daquela hora, tinha sentido que havia deixado de
existir.
—
Mas
você deve ter alguma certeza. A voz. Não deu para reconhecer a voz?
—
Eu
não conhecia ele de jeito nenhum, de voz e de nada. Só sabia que
tinha matado meu pai. Nunca tinha visto e depois não cheguei a ver.
Não tinha como, tio.
—
Mas
você sabia quem ele era.
—
Sim.
E que coisa ele era. Sei até que agorinha mesmo ele deve estar nas
profundas do inferno; porque foi isso que eu pedi a todos os santos,
e com todo o meu fervor.
—
Não
acredite tanto, filha. Vai saber quanta gente está rezando por ele
neste momento! Você está sozinha. Uma prece contra milhares de
preces. E, entre essas preces, algumas muito mais profundas do que a
sua, como deve ser a do pai dele.
Ia
dizer a ela: “E além do mais, eu dei a ele a absolvição.” Mas
só pensou. Não quis maltratar a alma meio quebrada daquela moça.
Em vez disso tomou-a pelo braço e disse:
—
Vamos
dar graças a Deus Nosso Senhor porque o levou desta terra onde
causou tanto mal, e não importa que agora o tenha em seu céu.
Juan
Rulfo,
in Pedro
Páramo
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