Em
Noites
Brancas,
obra de Dostoiévski que se permite ser chamada de romântica, o
personagem principal, o Sonhador, desfaz-se das costuras que o
amarram ao isolamento e, ao trilhar pela cidade, resolve viver uma
realidade no mundo externo, apaixonando-se. E o tempo que dura pode,
ao menos, satisfazer suas melhores recordações.
Depois
de anos devaneando por Crime
e castigo,
Os
irmãos Karamazov,
Recordações
da casa dos mortos,
O
jogador,
O
Idiota,
tendo sido todas essas obras esgotadas em falatório e adoração, já
era tempo de voltar à aurora do brilhante Fiódor
Dostoiévski
e buscar algo mais concreto, porém inusitado: a novela Noites
Brancas.
Diante
de fortes pitadas de romantismo, é possível descortinar todas as
páginas (ou as quatro noites) de uma só tacada, sem intervalos para
se aprumar na poltrona, tomar um café ou se incomodar com a tragédia
existencial e os extremismos em palavras do personagem principal.
Pelo menos, não é durante a narrativa que o desconforto povoa a
leitura.
O
leitor sequioso por novidades pode até presumir que se trata de um
romance. Pode entender a cidade em que se desenrola a história como
personagem principal. Pode superar os excessos das confissões e
justificativas contidas nos diálogos e estabelecer o amor e a
devoção amorosa (ah, o amor) como tema central. Entretanto é
inevitável enxergar que a solidão de cada um, clamada ou sonegada,
é o que guia a memória do narrador, do começo ao fim.
Intitula-se
de o Sonhador o protagonista. Seu nome, de fato, é desconsiderado em
todo o romance. Ele vive sua rotina de trabalho sem questionamentos,
deixando para viver a vida ao final do dia, quando aparece a noite
branca, expressão essa que faz referência ao fenômeno climático
das noites do início do verão, em que o sol não se põe,
permanecendo abaixo da linha do horizonte e, portanto, não anoitece.
Isso gera um atmosfera quase delirante em que a escuridão dá lugar
a um manto diáfano, mas suficientemente claro, para que os arredores
sejam consumidos por ele.
É
nesse momento que ele traz alma e sentido à cidade em que mora (São
Petersburgo) e a tudo que o rodeia, como, por exemplo, as casas em
seu caminho, que ganham vida, diálogos entre si e um certo tom de
resignação. E julga, dessa forma, conhecer melhor aqueles com quem
esbarra ou cruzam os seus passos, ficando sempre num quase sorriso,
num quase cumprimento, numa quase troca de palavras, a um fio de
estabelecer alguma relação com alguém de carne e osso, voz, toque
e desafio. O Sonhador cria, então, intimidades mentais com a cidade
e com os moradores, sendo ele mesmo uma sombra pouco notada ou
lembrada, já que mantém seu habitat unicamente dentro de si mesmo.
“(...) como se todos tivessem me esquecido, como se eu fosse, de
fato, um estranho para eles!” E são, justamente, essa mesmice e o
gosto pelo conhecido que trazem a segurança de não sair do lugar,
mesmo quando muitos já estão partindo.
Porém,
Dostoiévski traz o amor, a paixão repentina vivida intensamente por
meio da linguagem, do escambo de palavras e entendimento mútuo (ao
menos no pensamento fantasioso e enclausurado do personagem central)
em quatro noites. Ela, Nástienka, menina ingênua, armada de sonhos,
já que tem sua liberdade tolhida, passa os dias atada à saia da
avó, tendo ainda como companheira uma criada surda. E ele, o
Sonhador, segue igualmente atado a sua solidão sem costura. E tudo o
que os aproximam são lágrimas e alguns gritos, suficientes para dar
início a longos instantes de conversas, banhadas pela claridade das
horas e iluminadas pela brancura da noite.
Leia
a matéria completa na obvious acessando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário