domingo, 24 de julho de 2016

Viver é muito perigoso

Diadorim estava me esperando. Ele tinha lavado minha roupa: duas camisas e um paletó e uma calça, e outra camisa, nova, de bulgariana. As vezes eu lavava a roupa, nossa; mas quase mais quem fazia isso era Diadorim. Porque eu achava tal serviço o pior de todos, e também Diadorim praticava com mais jeito, mão melhor. Ele não indagou donde eu tinha estado, e eu menti que só tinha entrado lá por causa da velha Ana Duzuza, a fim de requerer o significado do meu futuro. Diadorim também disso não disse; ele gostava de silêncios. Se ele estava com as mangas arregaçadas, eu olhava para os braços dele ― tão bonitos braços alvos, em bem feitos, e a cara e as mãos avermelhadas e empoladas, de picadas das mutucas. No momento, foi que eu caí em mim, que podia ter perguntado à Ana Duzuza alguma passagem de minha sina por vir. Também uma coisa, de minha, fechada, eu devia de perguntar. Coisa que nem eu comigo não estudava, não tinha a coragem. E se a Duzuza adivinhasse mesmo, conhecesse por detrás o pano do destino? Não perguntei, não tinha perguntado. Quem sabe, podia ser, eu estava enfeitiçado? Me arrependi de não ter pedido o resumo à Ana Duzuza. Ah, tem uma repetição, que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas ― e no meio da travessia não vejo! ― só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

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