O
mais difícil é não fazer nada: ficar só diante do cosmos.
Trabalhar é um atordoamento. Ficar sem fazer nada é a nudez final.
Há uns que não aguentam. Então vão se divertir. Estou escrevendo
de madrugada. Talvez porque não queira ficar só diante do mundo.
Mas de algum modo estou acompanhada. Não sei explicar. É bom.
Contaram-me
que numa novela o homem não sabia para que serviam as lavandas
(tacinhas cheias de água morna, com gotas de limão, por exemplo,
para lavar as pontas dos dedos depois do jantar) (embora não se
tenha comido com as mãos). Então me lembrei de um tempo em que eu
cheguei ao refinamento (!?) de fazer o garçom em casa passar as
lavandas a cada convidado do seguinte modo: cada lavanda com uma
pétala de rosa boiando no líquido. Seria um ritual de bem-fazer?
Hoje não faria mais isso. Ou faria? Não sei onde estão minhas
lavandas. Com o tempo foram sumindo. Talvez roubadas. Ficou-me a
lembrança.
Estou
escrevendo com muita facilidade, e com muita fluência. É preciso
desconfiar disso.
Lembro-me
de uma embaixatriz em Washington que mandava e desmandava nas
mulheres dos diplomatas que lá serviam. Dava ordens brutas. Dizia
por exemplo à mulher de um secretário de embaixada: não venha à
recepção vestida com um saco. A mim – não sei por quê – nunca
disse nada, nenhuma palavra grosseira: respeitava-me. Às vezes se
sentia angustiada, e me telefonava perguntando se podia ir me
visitar. Eu dizia que sim. Ela vinha. Lembro-me de uma vez em que –
sentada no sofá de minha própria casa – ela me confiou em segredo
que não gostava de certo tipo de pessoa. Fiquei surpreendida: pois
eu era exatamente essa pessoa. Ela não sabia. Desconhecia-me ou pelo
menos parte de mim.
Por
pura caridade – para não embaraçá-la – não lhe contei o que
eu era. Se contasse ela ficaria numa situação péssima e teria que
me pedir desculpas. Ouvi calada. Depois ela ficou viúva e veio para
o Rio. Telefonou-me. Tinha um presente para mim e pediu que eu a
visitasse. Não fui. Minha bondade (?) tem limites: não posso
proteger quem me ofende. Ou posso? Posso. Tenho sido obrigada a
perdoar muito.
Clarice
Lispector, in Aprendendo a viver
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