Primeira
lição do incômodo: o calcanhar raspando na parte de trás do tênis
e, pouco a pouco, empurrando a meia para baixo. Eu tentava andar mais
devagar, tentava pisar reto, caminhar feito um robô, mas não
adiantava: lá ia a meia em sua inexorável jornada rumo à planta do
pé.
Caso
estivesse ocupado demais para tomar as devidas providências, fugindo
num pega-pega, num esconde-esconde ou num duro ou mole, apenas me
agachava num canto, enfiava dois dedos dentro do tênis e, do jeito
que desse — se desse —, puxava a meia um pouco pra cima. Sabia
que era uma ação paliativa, que muito em breve ela estaria toda
embolada lá na frente e eu seria obrigado a seguir o protocolo:
sentar-me num banco, tirar os tênis, as meias, vesti-las e me calçar
novamente.
Terminada
a função, voltava ao pega-pega, ao esconde-esconde, ao duro ou
mole, gozando por alguns minutos da alegria do dever cumprido, como
se tivesse acabado de tomar banho, fazer a lição de casa ou comer
um prato de legumes. Dez passos adiante, contudo, mastigada pelo
insaciável maxilar do tênis no calcanhar, lá ia a meia descendo
outra vez: lá ia eu, pequeno Sísifo, ladeira abaixo, ladeira acima.
Antonio
Prata, in Nu, de botas
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