segunda-feira, 4 de julho de 2016

O pranto

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Na mina d’água as gotas caem uma atrás da outra. A gente ouve, saída da pedra, a água clara cair no cântaro. A gente ouve. Ouve rumores; pés que raspam o chão, que caminham, que vão e que vêm. As gotas continuam caindo sem parar. O cântaro transborda fazendo a água rodar sobre um solo molhado.
Acorda!”, dizem a ele.
Reconhece o som da voz. Trata de adivinhar quem é; mas o corpo afrouxa e cai adormecido, esmagado pelo peso do sono. Umas mãos esticam a coberta agarrando-se nela, e debaixo de seu calor o corpo se esconde procurando paz.
Acorda!”, tornam a dizer.
A voz sacode seus ombros. Faz o corpo se erguer. Entreabre os olhos. Ouvem-se as gotas de água que caem da mina d’água no cântaro raso. Ouvem-se passos que se arrastam... E o pranto.
Então ouviu o pranto. Aquilo o despertou: um pranto suave, delgado, que talvez por ser delgado tenha passado pela teia do sono, chegando ao lugar onde os sobressaltos se aninham.
Levantou-se devagar e viu a cara de uma mulher recostada contra o batente da porta, ainda escurecida pela noite, soluçando.
Por que você chora, mamãe? — perguntou, pois assim que pôs os pés no chão reconheceu o rosto de sua mãe.
Seu pai morreu — disse ela.
E depois, como se tivessem disparado os gatilhos de sua pena, deu volta sobre si mesma uma e outra vez, uma e outra vez, até que algumas mãos chegaram aos seus ombros e conseguiram deter o remexer de seu corpo.
Pela porta via-se o amanhecer no céu. Não havia estrelas. Só um céu de chumbo, cinzento, ainda não clareado pela luminosidade do sol. Uma luz parda, como se o dia não fosse começar, mas como se apenas estivesse chegando o princípio da noite.
Lá fora, no pátio, os passos, como de gente que ronda. Ruídos calados. E aqui, aquela mulher, de pé no umbral; seu corpo impedindo a chegada do dia; deixando aparecer, através dos seus braços, fiapos de céu, e debaixo de seus pés réstias de luz; uma luz borrifada como se o chão debaixo dela estivesse inundado de lágrimas. E depois o soluço. E outra vez o pranto suave mas agudo, e a dor fazendo seu corpo se contorcer.
Mataram seu pai.
E quem matou você, minha mãe?
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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