Você
deveria estar em casa enchendo o romance de lindezas, mas não. Tá
com uma garrafa de uísque no meio-fio vendo os carros passar junto
com famílias felizes que vivem somente para gozar e pagar as contas
no fim do mês. O peito com duas torres pegando fogo a ponto de
desabar feito o ataque de Bin Laden em 11 de setembro. Você deveria
emagrecer. Cursar direito e ganhar dinheiro para casar com a
ex-mulher do desembargador. Correr. “acaba logo esse livro e casa
comigo. Assim não dá. Não vai dar certo sem dinheiro, di” e sua
cabeça latejando poemas carregados de despedida em abraços
desesperados em saguões de aeroportos. Você deveria estar em casa
aplicando insulina na sua mãe diabética e com problemas com
alcoolismo. Ela está tão perdida quanto você que se humilha por
uma mulher que talvez não o queira mais. Tem se envolvido com
taxistas viciados em bingos e drogados que a embriagam para roubar
trocados da bolsa escondida atrás da penteadeira. E todos pensam que
minha vida é uma maravilha. Que sou um sujeito digno para ser
invejado, mas nenhum universitário ou escritor que trata a
literatura como hobby aguentaria um dia na minha pele de recaídas
punks de cocaína e choros intermináveis em fundo de barzinhos
escuros do centro da cidade. Ela quer me assumir. Quer dizer pra todo
mundo que vive com um escritor fodão, mas o saldo da minha conta no
Itaú está negativo e talvez eu abandone tudo e mude para São Paulo
quando ela sacar que é melhor deitar com um advogado com iate e
apartamento na estrada da ponta negra que comigo. Onde já se viu um
sujeito achar que pode mudar o mundo só com amor e lirismo? Você
deveria frequentar os narcóticos anônimos e repetir a oração da
serenidade constantemente. Deveria se tornar um sujeito boçal e
altivo que se acha mais importante que os outros só por ter um carro
do ano e um aparelho reluzente nos dentes. E o sol deita no rio negro
e índias atravessam a rua exalando cheiro de bocetinhas virgens.
Manaus é uma puta mal amada. Você deveria fazer um último assalto.
Estourar só mais um caixa eletrônico e convidá-la para conhecer o
nordeste. “cê precisa conhecer João Pessoa, amor. Dizem que é
linda a praia de Manaíra”. Você deveria estar em casa pensando em
como se tornar um escritor sério e chato que todos respeitam e levam
a sério. Um cara que cruza as pernas em eventos e decora palavras
difíceis para confundir homens e mulheres que não entendem bulhufas
de literatura. Assim como quem as pronuncia também não entende.
Deveria fingir. Vestir um personagem intelectual como aquele escritor
esquerdista que camufla a péssima escrita com militância política.
Você deveria se tornar um advogado, Diego. Um advogado e jornalista
chato pra caralho com coluna na veja, estadão ou folha de São
Paulo. Comprar uma casa no Leblon e comer comida ruim e cara em
restaurantes 5 estrelas. Fazer Cooper em Ipanema e tirar fotografias
bebendo água de coco. Vai pra casa. Vai que um carro perde o
controle e suba o canteiro. Vai que você morre sem deixar sua
obra-prima e fazer um filho na negra que o traiu uma porrada de
vezes, mas que ainda te esquenta por dentro. Vai assobiando aquela
canção do Caetano e finja pelo menos uma vez que você é feliz.
Diego
Moraes,
in ursocongelado.tumblr.com
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