Querida,
eu juro que não era eu. Que coisa ridícula! Se você estivesse aqui
- Alô? Alô? - olha, se você estivesse aqui ia ver a minha cara,
inocente como o Diabo. O quê?
Mas
como, ironia? “Como o Diabo” é força de expressão, que diabo.
Você acha que eu ia brincar numa hora desta? Alô! Eu juro, pelo que
há de mais sagrado, pelo túmulo de minha mãe, pela nossa conta no
banco, pela cabeça dos nossos filhos que não era eu naquela foto de
carnaval no Cascalho que saiu na Folha da Manhã. O quê? Alô! Alô!
Como
é que eu sei qual é a foto? Mas você não acaba de dizer... Ah,
você não chegou a dizer... ah, você não chegou a dizer qual era o
jornal. Bom, bem. Você não vai acreditar mas acontece que eu também
vi a foto. Não desliga! Eu também vi a foto e tive a mesma reação.
Que sujeito parecido comigo, pensei. Podia ser gêmeo. Agora,
querida, nunca, em nenhum momento, está ouvindo? Em nenhum momento
me passou pela cabeça a ideia de que você fosse pensar - querida,
eu estou até começando a achar graça -, que você fosse pensar que
aquele era eu. Por amor de Deus. Pra começo de conversa você pode
me imaginar de pareô vermelho e colar havaiano, pulando no Cascalho
com uma bandida em cada braço? Não, faça-me o favor. E a cara das
bandidas! Francamente, já que você não confia na minha fidelidade,
que confiasse no meu bom gosto, poxa! O quê?
Querida,
eu não disse “pareô vermelho”. Tenho a mais absoluta, a mais
tranquila, a mais inabalável certeza que eu disse apenas “pareô”.
Como é que eu podia saber que era vermelho se a fotografia não era
em cores, certo? Alô? Alô? Não desliga! Não... Olha, se você
desligar está tudo acabado. Tudo acabado. Você não precisa nem
voltar da praia.
Fica
aí com as crianças e funda uma colônia de pescadores. Não, estou
falando sério. Perdi a paciência. Afinal, se você não confia em
mim não adianta nada a gente continuar.
Um
casamento deve se... se... como é mesmo a palavra?... se alicerçar
na confiança mútua. O casamento é como um número de trapézio, um
precisa confiar no outro até de olhos fechados. É isso mesmo. E
sabe de outra coisa? Eu não precisava ficar na cidade durante o
carnaval. Foi tudo mentira. Eu não tinha trabalho acumulado no
escritório coisíssima nenhuma. Eu fiquei sabe para quê? Para
testar você. Ficar na cidade foi como dar um salto mortal, sem rede,
só para saber se você me pegaria no ar. Um teste do nosso amor. E
você falhou. Você me decepcionou. Não vou nem gritar por socorro.
Não, não me interrompa. Desculpas não adiantam mais. O próximo
som que você ouvir será do meu corpo se estatelando, com o baque
surdo da desilusão, no duro chão da realidade. Alô? Eu disse que o
próximo som... que... O quê? Você não estava ouvindo nada? Qual
foi a última coisa que você ouviu, coração? Pois sim, eu não
falei – tenho certeza absoluta que não falei - em "pareô
vermelho". Sei lá que cor era o pareô daquele cretino na foto.
Você precisa acreditar em mim, querida. O casamento é como um
número de... Sim. Não. Claro. Como?
Não.
Certo. Quando você voltar pode perguntar para o... Você quer que eu
jure? De novo? Pois eu juro. Passei sábado, domingo, segunda e terça
no escritório. Não vi carnaval nem pela janela. Só vim em casa
tomar um banho e comer um sanduíche e vou logo voltar para lá.
Como? Você telefonou para o escritório. Meu bem, é claro que a
telefonista não estava trabalhando, não é, bem. Ha, ha, você é
demais. Olha, querida? Alô? Sábado eu estou aí. beijo nas
crianças. Socorro. Eu disse, um beijo.
Luís
Fernando Veríssimo, As mentiras que os homens contam
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