As
praias, no inverno, são mais bonitas. Vocês já viram uma vaca
coberta de carrapatos? É algo de dar dó... Pois assim são as
praias no verão: os milhares de pessoas são carrapatos que infestam
as areias brancas. No inverno, as praias são lisas, solitárias.
Quase ninguém. Parece que os homens têm medo da solidão. Gostam
mesmo é do falatório, do agito, do som... Prefiro a música do mar
e do vento porque ela faz eco na minha alma. Não se ouvem vozes
humanas. Apenas o pio dos pássaros. E os pensamentos vêm
mansamente. Águas-vivas mortas – seria inútil jogá-las no mar
novamente. Eram bonitas vivas, flutuando transparentes...Caranguejos
de olhos saltados, andando de lado, fugindo para os buracos na areia.
Parecem-se com certas pessoas que não conseguem andar para frente...
Catar conchinhas... Eis aí uma deliciosa brincadeira para quem
deseja ser escritor. A alma é um grande mar que vai depositando
conchinhas no pensamento. É preciso guardá-las. Quem deseja ser
escritor há de aprender com as crianças a catar conchinhas,
pensamentos avulsos como esses com que estou brincando, e guardá-los
num caderninho. De Camus, o livro que mais amo – e por isso mesmo
releio sempre – são os seus Cadernos da juventude. Ali ele
anotava o voo dos pássaros, uma trovoada, uma nesga azul no céu de
tempestade, uma citação que lhe vinha à cabeça, um diálogo entre
marido e mulher. Nietzsche também colecionava conchinhas que ele
transformava em aforismos. O problema com os aprendizes é que eles
pensam que literatura se faz com coisas importantes. O que torna a
conchinha importante não é o seu tamanho, mas o fato de que alguém
a cata da areia e a mostra para quem não a viu: “Veja...”.
Literatura é mostrar conchinhas…
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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