quinta-feira, 9 de junho de 2016

A cor pardacenta da terra


O céu estava ficando cinzento por entre as estrelas e o quarto crescente, pálido, distante, diluía-se no espaço. Tom Joad e o reverendo Casy caminhavam rapidamente pela estrada sulcada de rodas de caminhão e de trator, através de um algodoal. Somente o céu, de uma luz indefinível, um céu que não formava horizonte a Oeste e traçava uma linha apagada a Leste, denunciava a chegada da aurora. Os dois homens caminhavam em silêncio, aspirando a poeira que seus pés levantavam do chão.
Espero que você conheça bem o caminho — disse Jim Casy agora. — Seria o diabo a gente andar perdido ao nascer do sol.
No algodoal a vida despertava, fervilhando: pássaros alvoroçados precipitando-se ao chão e coelhos sobressaltados, esgueirando-se por cima dos torrões. Os passos suaves dos caminhantes na poeira, o estalido de torrões secos sob os pés sobrepujavam os ruídos secretos do alvorecer.
Eu até de olhos fechados podia andar por estas bandas — disse Joad. — Só erraria o caminho se ficasse pensando o tempo todo. Mas, se não pensar, vou direitinho. Diabo, pois se eu nasci aqui! Ali adiante deve ter uma árvore, ali, olhe, tá vendo? Bem, uma vez o meu pai pendurou um lobo morto naquela árvore. O bicho ficou pendurado na árvore até cair de podre; que coisa gozada ver a carne apodrecer. Puxa, por falar nisso, espero que a minha mãe tenha alguma coisa pra comer. Tô com uma fome de rachar!
Eu também — falou o pregador. — Que tal mascarmos fumo? Faz esquecer a fome. Seria melhor se a gente não tivesse partido tão cedo. Devíamos ter deixado clarear o dia. — estacou para enfiar um pedaço de fumo torcido na boca. — Estou com um sono danado.
Foi aquele maluco do Muley — disse Joad. — Ele me deu uma sacudidela. Me acordou e disse: “Bem, Tom, adeus, eu vou indo. Tenho que ir num lugar.” E disse depois: “É melhor cê ir também, pra estar o mais longe daqui quando for dia claro.” Ele tá ficando medroso que nem um coelho, com essa vida que tá levando. Parece que é perseguido por um bando de índios. Não acha o senhor que ele tá perdendo o juízo?
Bem, para falar a verdade, não sei. Você não viu aquele carro que chegou logo que nós acendemos a fogueira? Não viu como a casa estava escangalhada? As coisas estão parecendo bem feias. O Muley está coberto de razão em bancar o maluco. Correndo de medo, que nem um coelho; tudo aquilo faz a gente perder o juízo mesmo. Não demora, ele vai matar alguém e vão soltar cachorros no rastro dele. Estou vendo acontecer isso. Ele está indo de mal a pior. Não quis vir conosco, quis?
Não — disse Joad. — Acho que tá com medo de ver gente. Tô até admirado de como esteve conosco... Vamos chegar daqui a pouquinho à casa do tio John, antes do sol nascer.
Caminharam algum tempo em silêncio. As corujas retardatárias sobrevoavam os campos, em direção às árvores escavadas, aos celeiros, aos vãos dos telhados, fugindo da luz do dia. A leste, o sol ia clareando e já era possível ver-se os algodoeiros e a cor pardacenta da terra.
John Steinbeck, in As vinhas da ira

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